terça-feira, 1 de junho de 2010

BAÚ INTERNO

                                              Suzana C. Guimarães

     Sempre escrevi, porém, apenas internamente. Foram poucas as vezes em que eu peguei um papel e uma caneta para escrever minhas abstrações ou  meus próprios conceitos.
     Nos tempos do colégio e na universidade, quando as frases vinham prontas, fluindo tão urgente e precisas que pareciam sair pela boca, eu rabiscava nas últimas folhas dos cadernos.
     Dos escritos da época da infância e adolescência, minha mãe guardou o pouco que encontrou, inclusive minhas primeiras receitas culinárias: "uma ovo, dois colheres de açucar...". Eu guardei somente o que considerei bom ou engraçado, feito as receitas. Mas,  foi tudo um quase nada!
     Neste meu processo interno, eu escrevia frases, capítulos, virava páginas, sem pensar sequer em pegar um lápis ou datilografar algo. Sim, fiz curso de datilografia! Quebrei muita unha em máquinas de escrever. Contudo, a datilografia só me serviu para fazer os trabalhos de colégio, da faculdade e os jurídicos.
     Ao escrever sobre a doença, procuro ser clara, mas não tão óbvia a ponto de enjoar. Acho que tudo explícito demais é chato e feio. O já esperado causa tédio e sono.
     Por escrever para mim mesma, sei que muitas vezes não sou clara. Para ser franca, faço todo o possível para ser obscura. A mim, pouco me importa ser entendida. Li, certa vez, uma entrevista com uma escritora (não me lembro quem!) que dizia escrever porque o macaco subia-lhe às costas. E ele ficava lá pendurado enquanto ela não acabava o tema. Acho que é mesmo um macaco ou algo semelhante que também me impulsiona. Aquele falatório na minha cabeça, de mim mesma para comigo mesma, começou a me incomodar. Passei então a digitar tudo o que me vinha. Vêm frases inteiras ou mesmo um período, sem que eu me esforce. Se eu me esforçar, não sai nada, sequer uma carta para a minha mãe.
     Escrevo para me preencher de satisfação ou para ficar livre do tal macaco. Escrevo o que sinto na hora, ou tudo aquilo que senti antes e guardei na minha espetacular memória. Escrevo para ver se me entendo. Talvez, escrevendo, eu chegue ao amadurecimento de uma questão. Talvez, escrevendo, eu faça confissões que jamais faria ou mesmo encontre aceitação para todos os meus por quês.
     Esse processo de escrever externamente começou há pouco tempo. Acho que foi o acúmulo que lotou a tampa do baú e as letras pularam para fora, afoitas por liberdade. Senti que era melhor esvaziá-lo sempre. Com certeza, um espaço limpo abre as portas para tudo de novo que possa vir a chegar. Ando, então, fazendo varredura. Pouco me importa se a faxina vai levantar dissabores, causar susceptibilidades. Eu não escrevo para você e nem para ninguém, repito: escrevo para mim mesma. Se, nas minhas escritas, algumas pessoas encontram arte, beleza, paz, respostas ou um simples prazer de me ler, confesso ficar enormemente envaidecida. Sou leonina com ascendente em Leão, gosto de plateia, gosto de cafunés no meu ego.  O reconhecimento para mim não é apenas pura vaidade, devo também acrescentar, é também recompensa. As palavras, muitas frases, algumas ideias chegam prontas para mim, mas custa tempo escrever, e me dá dor nas costas, nos olhos; me obrigo a vigiar a ortografia, a digitação, para não ofender muito a Língua Portuguesa e os letrados. E, às vezes, me agarro num período e sinto grande dificuldade para conectar as ideias. Sou uma pessoa que pensa rápido, fala rápido e escreve rápido, e, às vezes, as palavras se embolam.
     Não sei quanto tempo ficarei aqui, publicando meus textos. Outra característica acentuada do leonino é odiar rotina. Por isso, inclusive, vou batendo, enquanto escrevo sobre a fobia de desempenho, ou soprando, enquanto publico textos assim, tão leves e claros que parecem receita de bolo. Ou, por último, vou amornando a minha temperatura quando publico algo feito o encontro de amor do deserto com a noite ou digo que um dia fui água que escorreu pela calçada.
     O baú está aberto!

P.S.: Quando escrevo sobre a doença do medo, aí sim, escrevo de todo o meu coração para você que está doente ou para você que conhece alguém em situação semelhante e quer ajudar.

3 comentários:

  1. Acredito que essa é a única maneira de nos sentirmos nós mesmos, transbordando, escrevendo!
    Doença do medo? não sabia que isso existia.

    BeijooO'

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  2. Oi, Valéria! O medo é um sentimento natural e necessário. Se os seres humanos não sentissem medo, a humanidade não existiria mais. É preciso ter medo, sim. Mas o medo excessivo, que paralisa, que recua a pessoa para uma prisão interna, impossibilitando-a de viver em plenitude é um medo patológico. Decorre ele de vários fatores, psicológicos e/ou físicos, mas, para a classe médica, decorre ele principalmente de uma descarga exagerada e descontrolada de NORADRENALINA no sangue.
    Neste Blog, eu conto a minha história de medo.

    Bjs!

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  3. li, e vou pensar....depois te escrevo.
    bjs

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