sábado, 27 de abril de 2013

UMA CARTA EMBALADA



Los Angeles, 26 de abril de 2013.




Querido,


A última música que você me enviou, estou ouvindo-a. As cartas, guardando-as. O passado, estou querendo esquecer, neste martírio e gozo em círculo vicioso, onde você vive e morre, é belo e feio, amado e odiado, uma ponte entre viver e sobreviver, o caminho para eu alcançar a borda da felicidade e  tocar-lhe novamente, desde o último sonho, onde tudo parecia real e palpável.

Entenda, amor não se adapta, amor se aceita ou rejeita, não finge, acontece, não espera, berra. E mesmo que eu gritasse teu nome dezenas de vezes e pedisse para você compreender, nada adiantaria, pois, no fundo, no fundo, somos os pais da descrença, por isso, a morte da nossa felicidade.

Ah, você não acredita, mas éramos felizes, você e eu, assombrados com nosso encontro, ríamos, esperávamos, sabíamos ser reais, de tanto que nossos corações batiam em descompasso. Mas, ó, miséria humana, orgulhosos em nossos tronos de soberba e pretensão, sabíamos também apontar nossos indicadores, mostrando a mínima falha, procurando no outro, um vacilo, um descuido, o baixar da guarda.

Não soubemos ser a paz de um encontro bom, vivíamos preparados e bélicos, perdendo o melhor da peleja, a fruta, o sumo, considerando bom apenas o galgar dos galhos, a conquista, o aceite.

A música se repete em meus ouvidos, é tarde, é noite, é dia, aí? Você está feliz? Faço falta?

Por aqui, tudo bem, vou caminhando, fotografando portas, janelas, bancos vazios e também flores, vou caminhando, esquecendo-me de você, procurando vê-lo por outro prisma, a partir do meu próprio olhar e não mais através do que você imaginou encantar-me.

Você sabe reerguer-se? Eu também, embora quisesse dançar com você, beijar teus lábios grossos, dedicar versos e melodias, abraços e sussurros, despentear este teu cabelo armado e falso, deixá-lo ao natural.

Você se tornou de fonte de vida ao tempo de uma música ou sua repetição, ao tempo de um passeio na beira da praia, um tempo curto, frágil; de diamante a caco de vidro, que eu pego e me rasgo, às vezes, pelo prazer de saber que, a cada corte, corto-o também, assim como, a cada carta, despedaço o que você se esforça por manter inteiro. 

Querido, sou a verdade que bateu à sua porta. Você, a mentira que se instalou em mim.

Dorme, dorme, meu anjo, a música cessa.




Por Suzana Guimarães

Nota: ao som da banda Sigur Rós...

sábado, 20 de abril de 2013

Eu preciso escrever uma carta.

By Man Ray 
 
 
Eu preciso escrever uma carta. Eu preciso escrever uma carta e isso sempre foi muito fácil para mim, mas, hoje, não. Estou desfocada da realidade ou absurdamente dentro dela, enquanto rolo as páginas do Google, vendo a vida, a morte e a loucura humana. Estou assim há tempos, de forma escondida, para não deixar transparecer o que tenho mais de real, um certo escapismo. Então, por consequência, não estou em lugar nenhum. Tenho vida ativa e ela corre, corre muito e eu me perco nas datas, e me vejo questionando meu colega ao lado, "hoje?, que dia é hoje?", e ele, com a cara pasma, responde: "hoje é segunda-feira e você não veio foi na quarta-feira passada, na sexta, você veio". Contudo, a loucura da realidade humana empurra-me para dentro, para a divagação, e eu me vejo, admirando, pelo lado de fora, as cortinas que cerram as duas enormes portas de vidro da minha casa. Do lado de fora, questiono-me o que se passa dentro, o mistério, a razão delas, as cortinas, estarem sempre em desalinho, e, às vezes, posso ver um pedaço de tapete, a luz acesa do abajur... como se tudo fosse desconhecido, mas não é, é meu.
 
Eu preciso escrever uma carta, mas como? Eu queria estar em todos aqueles lugares, invisível presença, porque eu queria estar bem próxima de alguns e o que mais me deixa atônita é saber que não estou fazendo distinções entre o bom e o mau, nesse meu querer. Eu queria correr até lá, e gritar bastante e dizer que tudo é enorme absurdo e que somos apenas adubo e nem sempre podemos dar belas flores, eu diria, sim, para aquele belo homem, tudo aquilo que ele recusou diante do espelho. E o espelho é ele. E o espelho é o outro ao lado dele. E o espelho sou eu.
 
Eu preciso escrever uma carta, mas eu quero mesmo é rir, desmanchar-me de rir pelas tolices dos plantonistas das verdades. Tem gente por aí só esperando o momento de lançar suas verdades, aos céus, aos léus, mesmo que não caiam em solo algum, mesmo que jamais façam brotar sequer um botão de flor. O que eu sei sobre a verdade? Nada. Tão pouco ele, tão pouco o que vive ou morre em dor dilacerante e nem o que mata. Não sabemos de nada neste solo de cultivos, somos simples sementes, pó, pólen, metragem de pele a secar, ossada quase eterna, almas embaralhadas em cartas dispersas sobre a mesa do enigma.
 
Eu preciso escrever uma carta, mas meu destinatário se foi na madrugada passada, entre duas esquinas, no barulho eterno das guerras humanas.
 
 
 
Por Suzana Guimarães

domingo, 7 de abril de 2013

Meu pai

 
 
Suzana Guimarães - arquivo pessoal
 
 
Nenhum amor me salva hoje e nenhuma palavra por mais bela, nem a ideia do futuro ou esta agonia presente, nem ela. Minha história se reconta em mim, de forma aleatória, sem datas, lembranças somente, nada, nada linear porque essa história começa a se enuviar. Dou-me ao direito do choro de filha. Descendo dele em corpo e alma, em nome, em tantas histórias contadas e que, se eu não cuidar, se perderão com ele. A partida dele tira-me o chão. E o que sou sem chão? Nem voos alcancei... Ele sempre teve chão e se pisou bem ou não, pisou, marcou seu território.
 
Nenhuma palavra me salva, nenhum conforto ou consolo, com ele, desvaneço-me, mesmo ainda inteira. Eu nunca soube que ele poderia tanto.
 
Por Suzana Guimarães

quinta-feira, 4 de abril de 2013