sábado, 28 de dezembro de 2013

CARTAS DE DEZEMBRO - a sétima



Los Angeles, 28 de dezembro de 2013



Querido F.,


Eu já lhe disse que gosto do seu nome, do seu nome de nascimento? Se ainda não, digo, prefiro-o ao apelido, gosto do movimento dos meus lábios para pronunciá-lo, que primeiro se abrem, pouco, para depois, fazerem dois biquinhos...

Há quanto tempo a gente não se fala, apenas passa correndo um pelo outro, "oi, bom-dia!", "oi, boa-tarde, como vai?"... e a vida enrolando-nos, levando-nos, a nós dois, em ricos tapetes persas, para terras jamais habitadas, ou lotadas, com desconhecida gente a nos sorrir, fazendo promessas, e nós, embriagados de poesia, carregando areias finas a nos incomodar em nossas barrigas - chamando-nos para o lúbrico - e a vida fazendo sinais, e nós, muito tontos, acreditanto em todos, pela eterna mania da aventura...

A mim, meu querido, cabe este deserto onde os 'tumbleweeds' parecem ilusão de ótica, bolas de mato seco voando aos pulos feito cangurus... A ti, estes lençóis, ah, estes lençóis maranhenses, diga-me, são mais belos que as dunas de Natal?

A nós, nossa realidade. Mas, a gente não aprende, não é? E, amanhã, no estacionamento do supermercado, você esbarrará seus olhos no amor de sua alma - e você acreditará nisso, com todas as suas forças, e, se contar para mim, eu direi, sim, sim... e você voltará para casa sorrindo, escreverá cartas, poemas e bilhetes de amor. Incensará o ambiente, comprará roupa de cama nova, alguma bebida forte, alguns cigarros... pedirá à Iemanjá, deixará seu barquinho de ofertas para que as ondas do mar o levem com seus pedidos mais secretos... eu sei, eu, de cá, bebo suco de maracujá, miro os céus, peço 'meu pai', e não completo a frase, e, compro um disco da Nina Simone, pensando em você, desenho cenas de amor no escuro da noite, acreditando também ser a rosa azul de alguém, a bailarina de um rei sedento de mim... isso me faz rir, mas somos nós.

A nós, meu querido, a vida é pouca, escassa, escorregadia porque somos dois excessos, dois pássaros de peito em chamas, dois voos em queda livre. Somos os de ontem, você ainda na loja de tecidos, sedas, cem fios de algodão egípcio; eu, debaixo da mangueira, esperando alguma manga cair, seguindo o conselho do meu avô S., 'dispensa as do chão, espera as de cima', ouvindo G. cantarolar enquanto lava panelas na água da bica... e somos hoje, ardentes, ansiosos, e, com certeza, somos o amanhã, e você convidará o amor de sua alma para tomar um café.

É o que importa, a certeza de quem somos. Deixa a loucura para todo o resto.

Eu li que o próximo ano será o ano do cavalo de madeira. Pois então, nele estaremos, com certeza, mesmo que para lugar nenhum, mesmo que dele a gente venha a desmontar, já que o que importa nesta vida é o coração um minuto antes do primeiro beijo na boca.


Abraço apertado, 

Suzana



Por Suzana Guimarães

CARTAS DE DEZEMBRO - a sexta



(arquivo pessoal de SCG)



Los Angeles, 28 de dezembro de 2013.



Querida E.,

Recebi poucas notícias de você nos últimos dois anos, mas algumas 'ladybuggies' e algumas fotografias que a mim chegaram avisaram a constância dos ventos bons ao seu encontro.

A primeira delas foi acompanhar sua barriga crescendo, criando um ser humano, uma pessoa muito linda, com nome de rainha. E, só isso já bastava! Quem com crianças anda, jamais envelhece. Andam por aí, à procura da juventude eterna, mas, poucos sabem que só as crianças podem isso transmitir. Aquele que se afasta delas cheira a pó antisséptico, minha irmã diria, cheiro de velho chato. 

Quem anda com crianças ao lado cheira a rosas, assim se foi minha avó, que deixou um guarda-roupa que assemelhava-se a um roseiral. Algo que ninguém nunca entendeu, apesar das filhas e netas terem vasculhado-o à procura do talco especial ou do sachê jamais descoberto.

Sei também que, quem estava longe, voltou. Cabe a você aceitar ou não, é o seu direito. Talvez esse alguém tenha vindo no cheiro da criança, da notícia da boa nova. Isso me alegra, saiba. Deixa os ventos sagrados cumprirem sua missão. Deixa o tempo tomar sua própria direção...

Só há um jeito de ser feliz, aprendi com a minha mãe, venho aprendendo com o meu filho de apenas 13 anos... algo muito difícil para mim e penso que para muitos, para ser feliz é preciso estar de todo livre, e, para estar de todo livre, é preciso ter os braços soltos, a mente vazia à espera do novo e a certeza de que no fundo, no fundo, não há gente perfeita. O que eles fazem, minha mãe e meu filho? Eles seguem as suas vidas, sofrendo também, mas bastante indiferentes a tudo o que lhes incomoda, parecem estar sempre deslizando por entre plumas, nuvens, em um riacho de águas doces...

Eu não a esqueci, apesar de que aquela Suzana vestiu-se e despiu-se de muitas ao longo do tempo. Feito um vendaval, fui desbravando as matas escuras da hipocrisia humana, soltando-me de amarras inúteis e infrutíferas. Parei de pedir por atenção. Nasceu em mim, um olhar novo, eu mesma me vendo e isso me bastou, basta-me.

Você será sempre o toque leve, a palavra pouca, mas suficente, um encontro que não precisa correr para dar certo.

Desejo-lhe um feliz ano novo, ao lado da sua princesa com nome de rainha, ao lado do homem belo que lhe acompanha.


Beijinho na testa,

Com carinho,


Suzana



Por Suzana Guimarães

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

CARTAS DE DEZEMBRO - a quinta

(by RMS)


Long Beach, 26 de dezembro de 2013.



Querida E.,


Hoje, em um quase final de manhã, caminhei à beira-mar... como se eu fosse outra, vinda de alguma de todas as minhas casas. Imaginárias. Uma forma de me homiziar? Às vezes, penso que sim, às vezes, que não. São apenas casas que me escondem ou eu invento? O que sei é que hoje, pela manhã, diante do mar, tão azul, sem ondas, que recordou-me o rio Colorado, o mesmo tom forte, eu me revi, a mesma de quatro anos atrás que não sei bem onde esteve. Daí, a sensação de outra e de moradias, invisíveis moradas que me acolhem.

Revi as gaivotas, sabia que elas se perfilam todas as tardes para assistir ao pôr do sol? Não fiquei para ver, mas eu sei, via sempre, logo que cheguei aqui. Mesmo que a criança de cabelos longos as assuste, elas voltam quantas vezes preciso for, levantam voo e descem para repetir até à exaustação da menina. São agressivas por comida, podem lhe atacar, essas aves, contudo, para ver o crepúsculo, tornam-se pacíficas. Para você que gosta de filmes, tenho certeza de que foi daí que o diretor do filme 'Cidade dos Anjos' inspirou-se. Lembra-se dos anjos perfilados à beira-mar, nos finais de tarde?

Esta vida inspira-me. Sua mobilidade inspira-me. A minha própria estranheza cria meus palcos... Por onde andei, moça? 

Com os pés naquelas águas geladas, rezei para o meu pai, as 'Ave Marias' saíam sem policiamento... pensei em tudo e em nada, lembrei-me de você, ah, nem seu movimento arvorou-me ou precipitou qualquer coisa a correr. Eu andava, eu orava, pensava, mas estava em mim tudo muito parado, ao contrário de você que me lembra o filme 'Corra, Lola, corra'. Tudo quieto, ações meramente coadjuvantes... certa vez, meu pai comentou, "não acredito nestas tuas cinzas, elas não existem, se cutucarem, sai faísca", quando eu, indolentemente e de forma muito desanimada, contei para ele que aquela, aquela agitada, falante, barulhenta era só cinzas.

Você perdeu a beleza que eu vi, mas guardei para ti essa sensação de molejo de um corpo em um trem, em um ônibus, em uma kombi velha que eu peguei no sul da Bahia e sacolejava meus miolos, minhas tripas, ao som de  musiquinhas do Caribe. Meu amigo, ao meu lado, disse-me, "isso está me lembrando Almodóvar". É tudo o que me lembra você, pois eu lhe conto histórias enquanto você se movimenta, sobe e desce, corre, atravessa a Avenida Paulista, espia o homem de terno branco que passa, sonha algo parecido a um filme, poderia, sim, ser o filme argentino que você me recomendou, e, esse homem sorriria para você e você para ele, vocês achariam tudo muito engraçado, engraçado e feliz, incrível e inexplicável alegria por aquela visão não planejada, mas sonhada, num fundo de cinema, enquanto engole a tela à frente e deseja, bem no íntimo, 'ah, isso um dia acontecerá comigo!'. 

Com certeza, você tem suas belezas para ver. Mas, a gente sabe, de repente, aquele belo homem cospe no chão, enfia o dedo no nariz, merda, destrói tudo! É nesse instante que a gente cria-se outra e confina-se em alguma casa, qualquer espaço vago, onde caiba, nós.

Meu passeio de hoje foi uma fuga, eu estava exausta da mesmice do meu apartamento, do falatório de todos, somos quatro, e vivemos há quase cinco anos em constante círculo vicioso. Nós nos temos, nos gastamos, nos reiventamos, nos odiamos e nos amamos. Brigamos constantemente por nosso direito à individualidade, delimitamos espaços, quando batemos as portas de nossos quartos. Falamos em duas Línguas, bom, eu insisto que seja em uma só, mas a minha filha de seis anos, nascida na realidade em Nova Lima, e, não, em Belo Horizonte, que seria o lógico, grita: "oh, man!". E eu rio, e ela consegue muita coisa de mim porque seu sotaque de americana é lindo demais.

Sabe um passeio isento? Foi esse. 

Meu filho mais velho - ainda não comentei, estávamos, claro, juntos, nesse passeio, mas eu os abandonei debaixo do pier e caminhei sozinha - disse-me, "você já aproveitou esta cidade, agora, você está vivendo-a". Moça, de repente, nossa criação fica melhor que nós, seus criadores. Eu falei que não aproveitava mais meu pequeno paraíso... então, é isto, estou no momento seu, instante de intensa locomoção e nem me dou conta... pois as outras de mim atraem-me para suas estranhas casas...

Tenho mania de filme, mania de fotografia e de sagrado. Tenho hábito de sonhar com coisas eternas, almas etéreas, amores que não se acabam. Até hoje, atravesso ruas, com fundo musical, feito por mim, para mim, não me pergunta quais são essas músicas, mas o palco existe, e eu invento-me. 

Sabe o homem de terno branco? Ele passará por você, mas presta atenção, vocês se reconhecerão, e, para isso, esqueça todas as suas invenções, todos os roteiros, porque, garanto-lhe, vocês ficarão feito bobos, não saberão muito bem o que fazer e o diretor, esse, está tomando um café do outro lado da rua, de costas para a Avenida Paulista, rascunhando algum longa metragem. Acontece, E., acontece.

São Paulo dorme, você dorme, eu, não. É cedo. Estamos todos na sala do nosso apartamento, na realidade, duas salas que se juntam, onde fizemos três ambientes. Estou diante do meu Laptop, em minha mesa de vidro que é um jardim desenhado; minha filha calou-se, enfim, assiste a um filme em seu presente de Natal (alguns cavalinhos coloridos, pequeninos, assitem com ela, enfileirados, diante do Tablet); meu filho joga algum jogo que nunca saberei sequer ligar e meu marido está lendo alguma coisa, com os óculos pendurados na ponta do nariz. Chega uma hora que ninguém aguenta mais de sono, porém todos permanecem imóveis, parece que estendendo o dia um pouco mais. 

Eu estou aqui, mas ainda lá, à beira-mar, como eu lhe disse, tenho mania de eternizar. Uma manhã igual a todas as outras, onde nada de surpreendente aconteceu, somente o fato de que, se eu não fosse até lá não estaria mais feliz, agora.


Beijo,


Suzana


Por Suzana Guimarães 

Nota: fotografia feita no dia do passeio...

sábado, 21 de dezembro de 2013

CARTAS DE DEZEMBRO - a quarta

Suzana Guimarães - arquivo pessoal


Long Beach, 20 de dezembro de 2013. 



Querida S.,

Escrevo-lhe para contar das minhas saudades, pois, hoje, um passado muito antigo e guardado pegou-me de assalto, logo cedo, enquanto eu dirigia em direção às escolas dos meus filhos. Lembrei-me de algum Natal ou todos eles, de uma só vez, que passamos  na casa da vó. Talvez, porque chovia, porque eu jamais tenha esquecido de verdade aquela época, talvez porque senti um cheiro especial, daqueles tempos, algo que fez saltar da minha memória a cozinha, os afazeres em torno do fogão, um entra e sai naquela casa... cheiro de assados, doces caramelados, eu não sei.

Fiz então uma viagem rápida, para trás, imperceptível, pude ver a avenida em frente ao supermercado Cruzeiro, alagada, os carros passando, a gente indo comprar alguma coisa a pedido da vó. Hoje, era manhã; em minha lembrança, um início de noite. Um lapso. Um cometa rasgando o céu, a rapidez do piscar de olhos. Éramos nós. 

Éramos você e eu, a cidade que se perdeu - ou nós a abandonamos, os tios e tias, os laços que não se rompiam... tudo girando em torno daquela senhora baixinha de cabelo cinza... eu só fui feliz naqueles dezembros e nunca mais. Os demais foram forçosos, cansativos, uma ladainha sem fim de lamentos, a televisão programando a nossa alegria, ninguém mais querendo esperar a meia-noite.

De tanto desgostar de todos os Natais que se seguiram, de tanto desejar fugir, eu fugi, me escondi aqui, bem longe, ao lado do Pacífico, mesmo sabendo que da nossa história, não escapamos. Não me arrependo de nada. Sou feliz. Assimilo dia a dia uma outra cultura. Cuido do meu pequeno mundo, lotado de minhas ideias e devaneios. Parei inclusive de olhar para trás, com aquela insistência que eu tinha, fixei meu olhar para o amanhã. Porém, não ultrapasso esse amanhã. A gente economiza dinheiro, deixa nossos últimos desejos por escrito, e isso é pensar para frente, mas, no meu caso, só vou até aí. Agrada-me olhar para os céus, principalmente nos dias cinzas, e imaginar os lírios crescendo sozinhos...

Há um arrastar de malas de rodinhas pelos corredores do prédio onde moro e nas calçadas, nos elevadores... Frenesi no ar! Em mim, meu luto, que ainda dói. A família vai lentamente dissolvendo-se... virão outras, mas nunca mais aquela, que a vó manteve unida. 

Lembro-me de nossos pais, sempre próximos nas festas, lembro-me de nossas viagens, dois carros, uma casa alugada, quinze dias em Iriri... meu pai tão falante e agitado, o seu, calmo, pacífico, dos meus tios, o que eu mais gostei, o melhor deles e pensar que era um tio 'torto'... Uma dupla que deu certo, os dois. E, vejo, hoje, outra: nós duas. 

Saudades, saudades, saudades. Nossas idas ao cinema, nossos filmes preferidos, nossos papos, as viagens, tudo, tudo, coisa boa e ruim, tudo embolado dentro de mim. Um correr de anos, Natais, finais de semana, nossos desencontros, nossas eternas tentativas eficazes de reaproximação, de entendimento...

Há uma cena que insiste em mim: na casa dos meus pais, nós, sentados à mesa da sala de jantar, meu pai tão velhinho, calado, apenas nos olhando, nada mais dizendo (isso doía, ele nada mais falava, como maltratava aquele silêncio!) e você, carinhosamente, catando os fios de cabelo, brancos como neve, do casaco de frio dele. Fotografei para sempre, guardei para mim. Eu nunca disse nada, digo agora. Eu queria tanto lhe dizer isso, digo em carta, pois, pessoalmente, jamais direi. Eu não sabia que você gostava tanto dele...

Já é noite. Deixei essa carta inacabada na tela do computador. Parou de chover faz tempo. Não escuto mais os sons de fora, todos já se recolheram em seus apartamentos. A Califórnia também sabe se fazer invernal. Gosto desse tempo para dentro, reflexivo, menos alvoroço, praias desertas, um frio a silenciar nossas dores e também nossos sonhos. Como se tudo hibernasse. 

Farei uma feijoada no dia 25. Não haverá convidados. Poderia ser você, a nossa, vindo da forma que eu lhe disse, outro dia, carregando apenas a bolsa de mão, sorridente, leve e livre, que fosse por três dias, que fosse por dez... mas, fosse. Temos uma longa praia para caminharmos, toda ela para rirmos de engasgar, temos este mosaico humano que é a minha cidade para contemplarmos. 

Você diz que é utopia, eu digo que é amanhã.

Um abraço apertado,

Suzana


Por Suzana Guimarães

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Já que é dezembro...


Suzana Guimarães, por Hilário


Eu a via sempre, parecia paga para uma eterna propaganda de pasta de dente. Sim, pasta de dente, assim a gente falava, "rímel, laquê, japona", uma lista enorme de palavras que foram expulsas de nossas bocas e do mundo porque decidiram chamar roxo de berinjela e bege de nude. Mas, voltando, eu parei de gostar dela porque ela ri demais e eu me cansei dela. Não, ela não ri demais, eu sei o que é rir demais. Ela força sorriso e ele fica plástico. 

Eu gostaria de fazer minhas últimas críticas, posso? Ando com mania de lista e aproveitarei para fazer a última deste ano, assim espero. 

Faço fofoca quando quero, quando a tampa explodiu porque a comida dentro da lata apodreceu. 

Gostei de alguns livros do Paulo Coelho, gostei mesmo, Na margem do rio Pietra, eu sentei e chorei, por exemplo. E daí? Você critica, por quê? Detesto Cazuza, mas se você gosta, respeitarei. Aprecio a estabilidade do Silvio Santos, sempre o mesmo modelo de terno e o microfone no mesmo lugar, fixado na gravata. Um apresentador de televisão educado que ouve seus convidados. 

Às vezes, penso em morder meus colegas de jiu jitsu, quando é para o pau quebrar. Depois, levanto-me do chão toda sorriso e grata, faço reverência, agradeço.  

Perdendo seu tempo para dizer do que não gosta, todo santo dia, ou de três em três? Cansa. Fecha a casa, quebra o computador, queima os livros e revistas, vai morar no Afeganistão, procura uma toca, uma gruta, e esquece a eletricidade. 

Eu adorava ler, aos treze anos, "Sabrina, Júlia e Bianca". Assustados? Também li os russos e o prazer era o mesmo, outra idade, outra época, mas, tudo, leitura. Detesto gente que caça perfeição e coisa boa o dia todo. Deixa de ser otário. Isso não existe, feito você, que só é perfeito em sua cabeça insana. Há mais normais nos consultórios psiquiátricos que doentes. Eles vão lá para conseguir conviver com os doidos. 

Falo palavrão, não falava, agora, sai mais vezes da minha boca do que eu queria. Nem por isso perdi a pose, a elegância, sou chique, se você não me conhece, fica então sabendo. 

Empáfia em criança... penso rapidamente em reformatório, para os pais. Empáfia em adultos, há várias maneiras de evitar o contato, não se obrigue ao convívio, melhor que a falsidade visível. 

Não gosto do Roberto Carlos, mas há certas músicas que admiro e eu separo o artista da pessoa quantas vezes eu quiser, só me faltava ter arrancado de mim o direito ao gosto, num mundo onde muitos fizeram e fazem a questão de me criticar por qualquer coisa, e num mundo hipócrita, onde as pessoas se tratam por "queridas", "amigas de infância", e dão risinhos bobos, querendo, na realidade, estrangular. Prefiro a mim quando penso em morder meus colegas. Prefiro gente que anda de cara feia pelas ruas afora. Eu ando assim, bem emburrada, e não demonstro o menor sinal de que vou mudar. Faço cara boa quando a ocasião pede, convida-me. 

Estou tão cansada de gente que comecei a ficar surda para o Português também, já não ando ouvindo bem em língua alguma. 

Se eu pegar meu celular numa reunião, numa festa ou num Café, peça licença e se vá, pois eu já nem sei mais de você. Ou, me dá uns minutos, e tenha certeza, irei embora para nunca mais. Mas, se eu nem me lembrar do telefone - algo que detesto, você será rei, rainha, olharei você nos olhos, sorrirei, lhe darei um mundo melhor que um parque de diversão. 

Quando eu chorar, quando eu perder, tenha certeza, estarei esperando de você, no mínimo, um parco uso de gentilezas. Se você não pode me dá-las, não fica me pedindo coisas, favores, lembra-se de algo chamado reciprocidade, se você não sabe o que é, é dar para poder receber. Estou sempre de olho em mim e nas pessoas, por mais tonta que eu possa parecer.  

Adoro diplomacias, embora insista no desejo de morder. Sorria, seja feliz, porém, por amor da realidade humana, não se torne o Curinga, que, de tanto rir, virou monstro, e isso lembra-me as hienas histéricas, elas até passam, pois são quadrúpedes; em humanos, fica péssimo.



Por Suzana Guimarães


terça-feira, 17 de dezembro de 2013

CARTAS DE DEZEMBRO - a terceira


By Luís G. Meneghini

"Uma cidade no alto do Brasil, numa noite quente, num meio de dezembro de 2013.


A lua estava mais linda que nunca, entendi Fernando Pessoa, hoje, e, de fato, se eu tivesse nascido apenas para vislumbrar a magnitude da lua nesta noite, digo, já valeria a pena ter vivido.

Vinha caminhando devagar, apenas para poder contemplá-la um pouco mais. Saí tarde do trabalho. Apesar de ter dormido apenas 3h na noite passada, sentia-me feliz, a energia da noite estava boa, coloquei os fones de ouvido, 'Legião Urbana', e ao som da maravilhosa voz de Renato Russo ouvia o que a lua segredava a mim...

Ela sussurrava “há relacionamentos que trazem vida, outros que a tiram ao invés” e Renato Russo cantava “mas tudo bem, tudo bem, acho que estou gostando de alguém, e é de ti”.

(...)

Não tinha como não escrever nessa noite, não tinha como não dividir...

Beijo grande!
Que os bons ventos te cerquem... 

K."




Uma cidade no sul dos Estados Unidos, numa noite fria, num meio de dezembro de 2013.



E eu dirigi sozinha até a academia porque meu filho não foi, estava reclamando de dor na mão esquerda... sinto falta dele, acostumei-me com sua presença, embora, já tenha ido só inúmeras vezes. Mas, agora, ele já é um adolescente, todo curioso e muito interessante e interessado e eu aprecio muito a sua companhia. Ele gosta de jazz, acredita? 

Olhei para a Lua e ela estava opaca, bonita, mas opaca, toda enevoada, pois, aqui é inverno. E eu pensei em algum casal que não se encontra, que ainda não se encontrou. Uma dupla perdida, onde, enquanto um anda para o norte, o outro vai para o sul. Pensei que entre os caminhos há muito mais chão que aparenta haver. Há túneis quase nunca ultrapassáveis, há pinguelas prestes a não esperar mais por ninguém. Há vãos entre as rotas, entre as trilhas, há mais espaço que possamos imaginar. O mundo é enorme e o espaço e tempo para nos encontrarmos é pequeno.

É preciso uma força enorme para nos unirmos e outra, mais enorme ainda, para estarmos um diante do outro, em plenitude, inteiros. Não nos falta coragem, isso nós temos. Não nos falta desejo, isso já esparrama pelo chão, já pulou para fora do corpo, transbordou. Falta-nos a certeza de que realmente é real, palpável, a certeza de que não é mais delírio porque vivemos em oculta febre, a exagerar, a sonhar por além da conta. Após a visão de vários oásis, quando o verdadeiro se apresenta, é preciso alguém para nos beliscar, é preciso um empurrão, um grito de Deus, mesmo que seja um raio cortando o céu... mas, o momento do encontro e decisão é um instante ímpar, sem par mesmo, sou eu e o meu destino, cara a cara, e ninguém mais, mesmo que entre mil rostos. É a oferta: você escolhe ou não. 

Meu pai sempre dizia, "O cavalo está aqui, cadê o reino?". O cavalo um dia chega e o perigo é pensarmos que não. Uma das coisas mais fáceis de se fazer na vida é desejar, pedir, pedir... Uma das coisas mais difíceis na vida é fazer a troca: aqui está o meu reino, me dá o cavalo; montar nele e ganhar o mundo.

"Há relacionamentos que trazem vida, outros que a tiram...", e o que mais vi foi a retirada e a gente aceita e se acostuma, parece que temos, na verdade, mania de sofrer. Pagamos altos valores por qualquer ninharia, um pequeno agrado, uma pequena decisão, uns galanteios que não trazem frutos. Uns beijos chochos, umas olhadelas preguiçosas, a gente até pergunta, "está interessado em ouvir?". Alguns sinais de interesse mais céleres que a desgraça, pois, essa, sim, instala-se, puxa a coberta, ajeita o travesseiro e fica. Geralmente, ocupa o mais reservado dos cômodos, o mais escondido e distante do resto, porque chega para ficar.

Mas, é noite, é dezembro, é o mês dos ventos na alma. É o tempo da calmaria, do descanso...

E eu ouço Groove Armada, Think Twice... feito um mantra.

Suzana


Por Suzana Guimarães.



Nota: a primeira carta foi enviada a mim, editada por mim e publicada com enorme carinho.


segunda-feira, 16 de dezembro de 2013

PARA O ANO NOVO


By Suzana Guimarães


Treinarei mais a língua inglesa e o jiu jitsu. Comerei mais frutas, mais peixes de água salgada, tudo que tenha iodo, e aprenderei a gostar de tofu. Caminharei na praia, assim como fazia anos atrás. Estarei mais vezes no meu lugar sagrado. Selecionarei melhor os amigos. Ouvirei e obedecerei meu coração, um sábio que eu vivo a desprezar. Voltarei a deitar-me no sofá da sala, para assistir aos filmes que gosto, e também para o nada. Acenderei mais velas. Farei o meu segundo mistério profundo. Terei mais rituais, visitarei templos. Passarei a ver melhor para ter certeza; deixarei um pouco de lado meu jeito distraído, nem que para isso, eu largue tudo só para ficar olhando, para fora. Farei então dos meus olhos, câmera fotográfica. Voltarei a bronzear-me e a pintar as unhas das mãos, em casa. Lerei a pilha de livros que ganhei e comprei. Levarei meu carro para o lava-jato, pelo menos, uma vez por mês. Voltarei a contemplar as noites. Tocarei o meu mais sagrado sonho e farei isso várias vezes, para ter sempre a certeza do milagre. Não comprarei presentes para quem não os quer ganhar. Morderei a minha língua, mas não darei corda aos imbecis. Cozinharei somente para os meus eleitos. Estarei bastante ausente para muitos, porém, sempre presente em minha lista de prioridades. Vou parar de desenhar para os outros entenderem, nunca fui boa em desenhos, com isso pouparei-me de muita chateação. Vou emagrecer três quilos. Conhecerei três lugares diferentes e vou pedir a Deus, todas as manhãs, três vezes seguidas, para livrar-me do mal, da inveja e de gente ignorante. Vou ser eu, ser individual, e, para garantir tudo isso, já comecei o treinamento, neste dezembro, dez.

Suzana Guimarães 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

SOBRE PROMESSAS



Duas doses do melhor aguardente, ardente sol a queimar-me tal qual a fogueira em que me pus a arder, flamejar, queimando, rasgando, doendo por vasto tempo quase tão quanto meu tempo de vida... a insanidade querendo dizer-se absoluta, dona minha, e eu na fé do caminho sobre o meio-fio. E agora me encontro a rir.

Vocês viram? Ninguém. O sol, as palmeiras, o calor, o instante. A promessa ardendo feito chama. 

Vocês ouviram? Eu gritei, gritei tão alto, para além dos céus, fixei a retina, gravei porque eu sempre soube que gravado estava, mas eu quis ter certeza, milagres nos tornam irreais. Tolos os que não deliram nessas febres de insistência. Doente, insistente, eu recuei, às vezes, para retornar com mais vontade.

Lambi o infinito, faminta, perdida, neste deserto em que caí. 

Sou o chão, sou o calor e a brisa da noite, pois os desertos prometem e cumprem... se você se curvar, se você se fizer oferenda. 

Três raios tem a lua, três raios tem o sol, três vezes eu sou e sou aquela, de outro dia, de onde não se conta mais por ser totalmente imensurável.

Sepulto a finitude de todas as minhas existências. Eu professo, eu vi o sol, a lua, e a insanidade que fugiu, pega em sua mentira, todos eles por fresta, na fumaça que aquele índio soprou e me alcançou.


Por Suzana Guimarães

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

O Chamado dos Pássaros




Os pássaros me chamam, todos os dias. Melodia suave para me apressar. Um dia, eu aceitei e fui. Só assim pude vê-lo e saber que você realmente existe. 

Mas, persiste a noite, e os pássaros dormem. Faço silêncio, oro, espero, peço, só mais uma vez, só mais uma manhã, antes do meio-dia, num dia qualquer, não precisa ser quinta-feira... nem domingo consagrado. 

Pode ser em qualquer tempo, podem, eles, novamente cantarolar 

'vai, Suzana, vai'. 


Suzana Guimarães


segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

VERMELHO ESCARLATE



Era uma tarde como outra qualquer, quando vi o já esperado sangue sujando a minha calcinha. Mais dois meses, e eu completaria 12 anos. Lembro-me do banheiro da casa velha, do momento, da cor do dia e eu comunicando o fato à minha mãe. Ela ficou triste, muito cedo, oh, cedo demais! Para mim, algo normal, aguardado.

Tudo estava bem até que o sangue passou a ser cachoeira, rio caudaloso, uma sangria desandada. Dores insuportáveis que me faziam sentar no meio-fio da calçada e ranger os dentes de dor. Fazer xixi no banheiro da escola? A crueldade de vivenciar algo maior que eu, jatos de sangue desciam pelas pernas, sujavam o banheiro. Eu poderia sujar qualquer lugar onde me sentasse. Muitas vezes, era preciso usar dois absorventes. Tempo da vergonha. A solução foi ir para a escola com a blusa de frio amarrada na cintura. Um dia, uma colega falou que eu estava 'dando bandeira', aquilo durava de três a cinco dias e todos então sabiam que eu estava em meus dias vermelhos. Passei a usar a blusa amarrada à cintura o mês inteiro. Regulador Xavier número 1 ou 2, um dos dois, de nada valia.

Hoje, sou mulher feita. Os anticoncepcionais diminuíram as dores e os fluxos. Passei a dispensar o que os outros poderiam pensar. Sangrar todo mês não é nenhuma maravilha, mas é feminino, é ser fêmea, é ser mulher, é a frustração do corpo, mas também a glória de poder fazer um ser dentro de si. Sinto prazer ao dizer para um homem que estou menstruada, que estou com cólicas, que hoje não será possível, meu bem, e ver na cara dele, estampado respeito. Sinto-me poderosa por saber quando estou ovulando, e, por isso, ter feito um menino e uma menina. Sinto-me bem quando o desejo de sexo me assalta nos dias que antecedem à menstruação, tenho sonhos eróticos, tenho vontades. Faço parte também do pequeno grupo de mulheres que sente desejo sexual quando a frustração não acontece e o óvulo é fecundado. Penso e quero sexo dia e noite. Os hormônios gritam, berram, atacam meus sonhos. Tenho delírios... e eu já engravidei quatro vezes e por quatro vezes, a tara reinou absoluta, dona de mim. 

Antes e durante, o vermelho escarlate faz doer. Os seios incham, os bicos deles ficam mais sensíveis. A barriga avoluma-se. Tenho ânsias de comer chocolate, tenho ânsias de comer o mundo e de mastigar e triturar os chatos e atrevidos. Tenho ira. Tenho irritabilidade sem causa.


Às vezes, não. Às vezes, mal percebo o desfecho do ciclo. É tudo muito instável para poder ser explicado, são as fases da Lua, são as engrenagens que perpetuam a espécie humana. É instável e bagunça os calendários. Chega quando quer na idade da ainda menina, acaba aos 'trancos e barrancos' ou não; faz algumas mulheres ficarem mais valentes e outras mais chatas... dá causa a algo surpreendente, une as mulheres, faz de todas elas, cúmplices.

O corpo da mulher é o templo de Deus. Os homens deveriam proteger esse lugar sagrado, de onde saíram todos eles.


Por Suzana Guimarães


Nota: texto anteriormente publicado em 6 de março de 2013, na Oficina Casulo.

sábado, 7 de dezembro de 2013

CARTAS DE DEZEMBRO - a segunda


Suzana Guimarães


Los Angeles, 8 de dezembro de 2013.


Como vai você?

Você agora pode visitar-me, apesar de que, digo-lhe, está fazendo frio, daquele jeito que nunca o agradou. E chove. 

Você completaria, hoje, 88 anos. Número lindo, oito, infinito. E isso me dói. Tudo dói ainda, inclusive e principalmente o simples cotidiano. Ontem, fui ao dentista, senti dor, deixei algumas lágrimas, duas, escorrerem, depois, aproveitei o momento, ao lembrar-me de você, e para isso não é preciso motivo coerente, plausível ou explicável, deixei tantas outras irem rolando, de olhos fechados, com a boca aberta, de um lado, Dr. N., do outro, sua assistente. Deixei-me, como a um rio, não, não um rio, como a um pequeno fio de água... igual àquele que tínhamos no alto do morro, nos fundos daquela casa.

Vô, quase toda noite, você sabe disso mais que eu, ficava horas vendo o rio passar. Quem não deu fortunas para saber o que ele pensava? Estou sem rio para ver correr, mentira, tenho até um mar, estou na realidade é para dentro, no casulo. Há algo de esplêndido na casa sozinha comigo, no cerrar de cortinas, nos meus movimentos lentos dentro dela. Mas, nada penso, apenas sinto.

Pode vir, estou à sua espera. Veja meus filhos, a árvore de Natal que montei por causa deles, veja que tudo continua quase o mesmo. Quase. 

Às vezes, penso que estou ficando insana, descontrolada, ainda choro em qualquer situação, em qualquer hora... lembro-me então de uma amiga que, anos atrás, disse-me o mesmo e eu procurei entender, mas só entendi realmente agora. Não é falta, não é somente saudade, é constatação, é lembrança de tudo, do começo ao fim.

Naquele rio que vô tanto olhava, dá para ser lido um livro, dois ou mais. No fio de água, também. Em mim, cada lágrima que escorre é uma linha da nossa história.

Onde você estiver, os meus parabéns, o meu amor e a minha gratidão. Obrigada pela vida que me deu, duas vezes.


Sua filha,


Suzana


Por Suzana Guimarães


P.S.: a escrita é um ato de compartilhar alegria e dor, compartilho, então, a minha.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

CARTAS DE DEZEMBRO - a primeira


By Suzana Guimarães




Los Angeles, 3 de dezembro de 2013.



Querido, 


Saudades? Claro, nenhuma. Nem eu, infelizmente. 

Infelizmente porque eu queria tê-lo ainda, em meus delírios, em nossos tumultuados encontros... sua verve, coisa rara, coisa cara. 

Lembrei-me de você, sim, ainda me lembro, às vezes, pois algo vem no vento, e, hoje, tocou uma antiga música, enquanto eu dirigia. Mais tarde, encontrei o seu nome, em uma nota qualquer de jornal. Agora, é noite, e elas, as noites, sempre lhe traziam, mas isso não mais acontece. Eu o perdi, e você, a mim, sem ao menos termos tentado.

Escrevo para dizer-lhe que, enfim, concordo com suas palavras, em você, nada havia para modificar um átomo de mim, um centímetro de meus caminhos, um qualquer de toda a minha vida. A borbulha da bebida boa só acontecia quando estávamos juntos, mesmo quando nos arranhávamos. Os anos passaram-se e também a raiva que eu nutria por tudo o que parecia acontecer, e, então, decidi vigiá-lo, espreitar seus passos, seus roteiros, fui e voltei decepcionada até o mais fundo de mim. 

Vi um homem seco, vazio, sem graça, tristemente vago como o par de olhos amarelos que vi outro dia num gato pardo que cruzou a esquina à minha frente. 

Saí por aí, sei que você sabe, construindo castelos que se desmoronaram muito antes das ondas marítimas chegarem... sim, eu sei, você sabe porque me lê. Deve ter sorrido seu sorriso amarelo, com certeza, vingando-se de mim que só soube cortá-lo em tiras. Triste, quando você parecia enfim conhecer-me, tudo acabou...

Não fiz por mal, juro. Ainda sorrio por você, de manso, discretamente... contudo, reconheço, tudo foi loucura de uma alma que batia freneticamente numa porta fechada com severos lacres e a escuridão era muita, o suficiente para eu criá-lo na pouca luz que a modernidade nos deu. 

Esbarramos um no outro, assustados, pois sofríamos do mesmo mal, porém, de tempos em tempos, um ou outro fazia-se de ator e contracenava com os fantasmas que rondavam a claridade que nós, a muito custo, dividíamos. 

Escrevo apenas para reconhecer sua assertiva, razão da sua insistência em nos negar, e para você escrevo a primeira carta das muitas que escreverei em dezembro (e só você sabe a razão), num ato meu, egoísta e solitário, sem esperar por respostas. Rogo a Deus que você não escape por nenhuma fresta das portas que tranquei, penosamente, já que você foi um vento bom a arejar solitárias noites naquela distante Beirute. Lembra-se? Lembra, por favor, não quero que nenhum outro toma para si esta carta.

Desejo-lhe alguma renovação, algum motivo bom, um sinal, um aviso.

Na ponta dos pés, pegando-lhe no lábio inferior,


Suzana



Suzana Guimarães

Sobre o que eu gostaria de dizer



by  LRGM



Gostaria de dizer que:


Muito raramente, eu digo tudo. Uma vez a cada dez anos. Procuro deixar um tanto para ocasião propícia ou mesmo para o nunca. Mas, isso não lhe dá o direito de provocar-me de dois em dois meses. Talvez, eu mude, talvez, não.

Eu já tive cachorro, gato, um roseiral e um orquidário, eu já tive falta de tempo e já tive todo o tempo do mundo, já tive amores e desamores, já tive vários endereços, já tive obrigações... mas tudo absolutamente incomparável à maternidade. Não meça sentimentos, não faça disputas tolas e não compara a minha maternidade com qualquer coisa que seja, inclusive com a sua, se você a possuir e souber do que se trata.

Larguei a batina de samaritana e calcei sapatos, os pés nus são para poucos, então, contenha-se ao falar comigo, eu já não sou mais aquele tipo de pessoa que 'escuta cada coisa'...

Antes de tudo o que fizer ou disser, pensa bastante, visualiza linhas limítrofes, assim com eu faço, isso evita o adeus.

Afasta-se de mim se a sua intenção não for a de me respeitar. Ando dispensando amor, admiração e conquistas. Basta-me o respeito.

Se ficar, tenha certeza de que eu não passo recibo.



Suzana Guimarães