sábado, 29 de setembro de 2012

E SE...

(Suzana Guimarães - arquivo pessoal)


E se eu lhe dissesse que fiquei mais forte, mais bela e singela? E se eu lhe dissesse que os dias se tornaram rasteiros ou lentos, no compasso de nossos passos? Que meus passos espreitam os teus, que meus braços pedem os teus? E se eu lhe dissesse que toda a verdade solta à pele, que falo e de minha boca cai líquido desejo?... porque há em ti um vento frio que me acolhe e me chama e me diz que o sol que arde lá fora é momentâneo e só nós eternos, desde que, veja bem, desde que meu corpo esteja próximo ao teu e eu entendo que existe, sim, existem oásis de verdade, um deles és tu.
 
E se eu lhe dissesse que não somos dois, somos um?
 
 
 por Suzana Guimarães

sábado, 22 de setembro de 2012

CARTA PARA LUNNA


Imagem retirada da Internet, por Dulcie Duda, que conhece a arte da delicadeza.



Los Angeles, 21 de setembro de 2012.
 
Querida Lunna,
 
Esta carta começou ontem, mas ficou apenas na data. Minha filha me chamou para brincar. Brincamos por três horas e ela não se deu por satisfeita. Convidei meu marido para me substituir, meus olhos estavam pequenos, semi-cerrados de sono... tomei um banho e fui dormir.
 
Estamos em total sintonia. Eu me ardo neste deserto que é a Califórnia. O sol castiga sem dó. No céu azul límpido nenhuma nuvem, sequer um risco. Os pássaros se escondem. Até os corvos procuram um pedaço de sombra e aqui não há árvores frondosas para nos aliviar. Elas são pequenas, raquíticas, quando não são palmeiras e coqueiros, altos e alheios. Do chão, parece brotar fumaça; o mar, ao lado, traz algum vento, mas, quanto mais para o interior, mais sufocante fica e a faculdade onde estudo fica distante dele.
 
A sede é uma constante e meu interior caminha em sintonia, eu ando ardendo e doendo, um fósforo encosta-se em meu nervo. Fugir para o passado ou para o futuro é impossível, tanto quanto escapar desse calor dos infernos.
 
Insatisfeita? Não, não estou. Decepcionada, sim, bastante. Você escreveu: "Fecho os olhos e só vejo paisagens. Tudo esbranquiçado. Aos pedaços. Nada me pertence e talvez nem mesmo a você." É o que estou. Andei forçando a miopia para não enxergar, mas a verdade sempre força a porta. E ela andou batendo na minha cara inúmeras vezes e, inúmeras vezes, eu fingi não perceber o tapa, o choque, a sensação de fim. Bateram portas na minha cara e eu andei dizendo que tudo entendia. Mania de ser Pollyanna!
 
Daí, me fiz silêncio, passo leve e curto. Às vezes, bate certa raiva e eu esbravejo, solto minhas ironias, sacudo, debocho. Mas, dói assim mesmo, vingando-me. Porque o que me machuca não é ímpar, não é singular, é um plural de gente, de fatos, e, inclusive, de obrigações.
 
A menina, que às vezes gostava de brincar sozinha, grita dentro de mim, pede ar, pede espaço. Eu queria dar as mãos, fazer roda, cantar junto, acompanhar, mas não posso, não consigo, independe de mim, ando só, por desgosto. E nele fico e aceito, abraço-o, pois não sou a cara do palhaço, de sorriso aberto e colado, eterno, para sempre, mesmo que entre lágrimas e dor. Não sei ser assim.
 
Sou o silêncio que ouço enquanto caminho do carro até a minha sala de aula, sob sol que machuca. Sou o sufocamento que sinto quando entro no carro quente e abafado.
 
Minha amiga, é preciso tempo, não o mesmo tempo que espero para que o ar condicionado do carro faça algum resultado, mas aquele que não se conta, por medo de se sabê-lo infindo.
 
Um abraço,
 
Suzana
 
Por Suzana Guimarães

       para www.lunnaguedes.wordpress.com

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

QUE SEJA CALMA

 
 
Imagem retirada da Internet, na delicadeza da colheita, por Dulcie Duda
 
 
Que seja calma a música que toca, em som baixo, para não despertar mais nada... que sejam silenciosos os passos, os sentidos e as batidas do coração. É preciso adormecer. Que as vozes não façam eco, não reverberem, apenas completem os espaços entre os vazios do silêncio, só o bastante necessário.
 
Que tudo se guarde, se acalme, seja raso, seja lento, seja nascituro, tudo ainda imbuído no ventre. Que o momento seja este: aquele em que o ponteiro parou. É preciso adormecer.

Por Suzana Guimarães