terça-feira, 31 de julho de 2012

RECADO


(Imagem retirada da Internet, na arte de colher belezas de Dulcie Duda)


Hoje, eu sonhei com você. Você estava vestido de branco. Apenas não sorria. 
Eu também não, quando penso em você. 

Saudade não faz sorrir.

(por Suzana Guimarães)

segunda-feira, 9 de julho de 2012

A CERTEZA DO FIM


(Suzana Guimarães por LRMeneghini)


                                                           
Ele me perguntou em três Línguas se eu estava pronta. E, em três Línguas, perdida, eu pensava em malas, bagagem, bolsa de mão. Nunca fui aquele tipo de pessoa que faz a mala, coloca-a no alto do velho guarda-roupa, senta e espera. 

Ele me perguntou em três Línguas para ter certeza da comunicação e eu disse que não. "Cedo demais" , respondi. Ele insistiu, não queria saber da bagagem, queria saber se os meus sentimentos estavam prontos.


Meu Deus! Se ele falasse discursos seria fácil, mas ele se expressa em frases sem par! Quais sentimentos? Do que ele falava? Em que tempo verbal? O que ele quer saber que eu nem sei? 


Sou estranha em minha própria cama. Desconheço as ruas que pisei infinitas vezes. Sou um corpo bem disfarçado de real no meio da praça. Nela, passei mil vezes mil meses. Os rostos que passam por mim são quase os mesmos, mas eu sou um corpo desconectado, a mais ou a menos, alguma coisa não mais adequada ao ambiente. Eu ando, sento, espero, olho, falo, respiro o ar e sei que hoje é o presente. Vasculho o passado. Nada encontro. Nem pó de lembrança viva, tudo remoto e distante, visto do alto de um satélite. Sim, claro, não me tornei desmemoriada, sei onde estou e sei o tanto que caminhei, mas meus olhos mal enxergam. 


Se ele pudesse me ouvir, eu gritaria que tudo é mais real para ele que para mim, ele que nem sabe de mim. Eu queria sacudi-lo. Sou uma estranha na praça. Como alguém pode andar por antigas conhecidas ruas se sentindo ficção? Virei um filme de mim mesma. Assisto às cenas e nelas vejo apenas a informação de que por ali passei. Há votos de boas-vindas. Há mesa farta à minha espera. Contudo, eu não voltei mais, mas, por ser a criadora da história, retornei para checar. Não, não creia no que todo mundo pensa ver. Conferi o resultado e eu realmente não voltei. Fui embora para sempre.

Eu não sabia que podia tanto...


No meio da praça, descobri a resposta para ele: é preciso a certeza do total desconhecimento do lugar, fato, pessoa ou coisa, para se dizer enfim acabou. A certeza da estranheza no ninho é a prova do fim, exigência de recomeço. Vesti o vestido por longos anos, dormi e acordei com ele, acreditei muito e desacreditei o mesmo tanto, criei fantasia e depois eu mesma a matei sem dor ou nostalgia. Acordei em cores fortes ou desbotadas, quase mortas, e dormi inúmeras vezes pedindo a Deus alguma cor. 


Hoje, na praça, o vestido se mostrou totalmente estranho, nunca visto. Eu realmente o vesti? Ele parece irreal, de alguém magro, magro, deitado esparramado na cama. Eu o olho, tão feio! 



Ele perguntou se eu estava pronta para a jornada. Eu queria sacudi-lo, de raiva, de amor, de ódio, e dizer a ele que, eu fiz as malas, mas as esqueci no lado esquerdo do corredor que leva ao quarto. Em cima, uma caixinha de lenço de papel esperando uma pessoa que passaria correndo, em lágrimas, para pegá-las, levá-las, e com elas retornar... 


Eu queria responder à pergunta que ele fez: a caixa de papel tornou-se inútil.

Por Suzana Guimarães