quinta-feira, 29 de setembro de 2011

FATO




(fotografia, via celular, por R. Meneghini )

A noite engoliu a tarde que devorou a manhã e eu nem vi, absorta na lembrança dos dias inteiros em que eu é quem os devorava.
Tédio.
O nome é esse.
Entediada manhã que a tarde usou para conquistar a noite, essa, ardida em febre.
Febre.
O nome é esse.
Febre de ser. Ser qualquer coisa, além destes contornos que me compõem, qualquer coisa preenchida, terna, imune à dor do mistério e da consciência.

(Por Suzana Guimarães)

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

SILÊNCIO VENTOSO

(fotografia, por SCG)


Não sei bem se tu és porto, se tu és alegre

Não sei se tu és cinza...

Pouco vi

Quarenta e poucas horas

Quarenta ruas

Quarenta pessoas

Quarenta palavras

E mais nada.


Não, não! Havia um silêncio ventoso...

chegou em mim já no aeroporto

Eu poderia pegá-lo, de tão presente

Eu poderia materializá-lo, de tão irreal.

Algo que alcançou além da carne, no osso.


Um vento fino e frio, distante

vinha com ele

subia pelas bainhas do vestido

alcançava minhas pernas.


Lá no alto, ao chegar à sacada

Bateu macio em meu rosto

silêncio ventoso...


Perseguiu-me pelas ruas, no encalce de minhas palavras

Mudas!

Na casa do poeta famoso instalou-se de vez: eternizou-se.


E se fez desnecessário o riso das moças, o zunir das crianças invisíveis, o bater dos martelos...

Nem era preciso esforço

Silêncio ventoso...


Não sei bem se tu és porto, se tu és alegre

Não sei se tu és cinza...


Só sei que tu me deixaste assim que os céus desceram arrastados
quase alcançando as aves de metal, os terraços alagados...


Tu me deixaste?


Não, não. Tu nunca me possuíste, eu apenas passava...


(Por Suzana Guimarães)


Poema dedicado à cidade de Porto Alegre/RS/Brasil

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

SOU DO BRASIL

(fotografia, por SCG)


Há uma pequena bandeira no vidro do meu carro...
Dentro de mim, um país em forma de coração, verde, gigante.

Há em mim a bunda redonda, o andar gingado, de balanço inigualável. Há o riso solto, ora inocente, ora maldoso e o olhar atento, manhoso, malandro, perigoso. Há cheiro de chuva tropical, inundação. Há o silêncio das mangueiras, das jabuticabeiras. Cheiro de cigarro de palha, de água de bica, pingando, avisando... sou premonição.

Há uma pequena bandeira no vidro do meu carro...

Dentro de mim há montanhas. Silêncio e nostalgia, aviso de não ultrapasse, não se aproxime, há cheiro de clausura no ar, claustrofobia. Mistério. Sou gente de uma gente calada, que, quando fala, é pra confundir. Sou gente de uma gente que come pela borda, ao redor. Sou da terra do ouro, das pedras ricas, da pedra-sabão.

Sou de uma terra queimada, bacias de frutas à venda, no caminho, nos montes que só sobem, só sobem. Paredes caiadas. Calor, calor, calor. Ruas estreitas, labirintos, calçadas de extrema beleza, porém largadas, deixadas. Uma terra de meninas deixadas, compradas, abusadas. Uma terra de milagres, também. Terra das mães e pais de santos, terra da encruzilhada florida. Terra do saci, do muro alto, da cerca elétrica, do passo em falso, do bom gosto de Deus.

Sou o contra-ponto, sou a cara da minha terra. Sou alegria, sou introspecção quando a chuva cai, sou cachoeira escondida, trilhas verdes, águas mornas, enchentes que devastam, aclives que desabam, sou quarta-feira de cinzas, sou samba que canta tristeza.

Há uma pequena bandeira no vidro do meu carro...

Fora de mim, o rastro de muitas vidas, as histórias, lampiões, fome, a boiada dispersa no pasto, o boiadeiro pitando um cigarro, pensando na farra da noite, do boi, da zona boêmia...

Sou da terra grande que esconde becos, amantes famosos e uma gente que tem a dança no pé, feito sapato. Sou da terra dos meus pais, vô e bisavô, sou da terra dos nomes compridos, dobrando esquinas, das ruas de pedras pontudas. Sou ilusão, sou brilhantina de carnaval.

Filha de gente esquentada, que cozinha em fogão à lenha, que mastiga biscoito seco pra passar a raiva. Sou índia, sou branca, sou atrevida, sou de briga, sou filha de todos os santos, sou do Brasil.


Por Suzana Guimarães

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

DESPEDIDA

(fotografia, por SCG)


Estendi o lençol da cama

Por cima, lancei almofadas de cetim.


Desliguei a música
Refiz atos,
revi as janelas trancadas
Olhei para tudo o que fica


Agora só faltava o caminho para a porta de entrada...


Voltei e molhei a planta, ao lado da pia
só o suficiente para hoje.
Poderia ser fresco para ela,
era tudo o que eu poderia lhe deixar.


Só faltava alcançar o lado de fora
Por dentro, tudo como deveria estar
Mas, voltei...


Havia me esquecido de retirar
além da música, das cores e dos móbiles
Havia me esquecido do odor do meu perfume


Fui atrás dele, revirei a casa
já não importava mais a delicadeza
mexi em tudo até encontrar


meu cheiro
meu último vestígio.


(Por Suzana Guimarães)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

"Porque sem a essência, até o amor perde o sentido, vira só uma sequência de letras." (Maggie May, do Blog 2+2=5)

(fotografia, por SCG)


O mundo se fez de um verbo

Mas nada existiria se não o completasse as ações...


Karlinha,


Um novo ano começa, o verdadeiro, aquele contado por você e não pelo grupo de humanos. Você receberá muitos cumprimentos pelo teu dia, mas depois tudo cairá no esquecimento, só você perseverá na conta. Contará teu ano, do primeiro ao último dia, e assim, sucessivamente.

Então, para teu novo ano, o meu presente são palavras, mas é tudo apenas um grupo de letras e elas fazem pouco, quando sozinhas... por isso, fica a cargo teu a feitura da mais bela manta de crochê, tricô ou de retalhos, aquela com a qual você cobrirá teu corpo e tua alma. Não importa a riqueza da linha, do fio, se será ou não um punhado de retalhos agrupados. O que importa realmente é o teu toque nela, o destino que você dará à coberta de tua existência.

Amor é encontro, não se perca na gritaria da paixão ensandecida, ela apenas confunde, dá dor de cabeça, cobra sem direito e se faz de eterna vítima. Paixão é mistura de desejo com amor próprio, na maioria das vezes, ferido. Paixão anda de mãos dadas com o egocentrismo. Se bobear, você sequer precisará de um parceiro, gozará em frente ao espelho, só de se ver lá refletido.

Amor acontece. Você o encontra geralmente quando não está pensando nele. Você pode chegar a tocá-lo e não saber que é amor, de tão silencioso ele é.

Amor acontece, não é inventado. Você não precisa planejar os toques, os beijos, os abraços, nem as palavras. Amor flui, feito água da fonte, atrevidamente... todo mundo vê e se cala, em sinal de respeito, pela soberania que ele carrega.

Na paixão, os olhos se estreitam um pouco, porque carregam apenas perguntas. No amor, os olhos crescem, se abrem ao outro em mar aberto, onde só se encontra plenitude, a essência de tudo o que você realmente é. Eles não lhe dão respostas, essas, surgem de você para você mesmo.

Você anseia pelo amor, aquele verdadeiro, aquele que lhe trará paz e certeza de que o caminho é chão para se pisar, eu sei, e faz bem procurá-lo, pois há mais desamor entre dois corpos colados que guerra no mundo. Há muita gente falando 'eu te amo', como se pedisse, por favor, ligue a televisão (para eu me distrair)... há muita gente querendo apenas preencher buracos d`alma, alimentar egos famintos ou carregar nos braços um belo e invejado adorno.

Amor é a certeza de que se chegou na essência de si mesmo, é flutuar em mar tranquilo, sem medo.

"Sem a essência, até o amor perde o sentido, vira só uma sequência de letras."  Do Blog 2 + 2 = cinco.


                                                                     Por Suzana Guimarães


Nota: texto confeccionado especialmente para KARLINHA FERREIRA, pelo seu aniversário no dia 25 de setembro. 

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

DES(COBERTA)

(fotografia, por SCG)

Mergulhei sem esforço, nadei, atravessei dois oceanos, passei por três desertos, visitei a Lua, vasculhei quatro países, os jardins do imperador, entendi que na dobra da rua, ali, do outro lado do alpendre da casa vizinha, posso emergir do fundo daqueles olhos.

                 (Por Suzana Guimarães)

terça-feira, 13 de setembro de 2011

INOCÊNCIA


(fotografia, por R. Meneghini)




Se tivesse sido um tapa na cara

Seria bom, eu teria revidado

Se tivesse sido indiferença

Seria melhor ainda, eu teria esquecido

Mas foi um golpe certeiro

que ceifou o riso do anjo vivido em mim



Anjo que só entendia de cultivo de jardins

Anjo que desconhecia a imundície da lama



Eu não sabia que havia lama seca escondida entre teus dedos

Só quando o anjo chorou pude ver.



Por Suzana Guimarães

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

UMA CARTA PARA LUNNA GUEDES

                                                                            

(fotografia, por SCG)



                                       Long Beach, 12 de setembro de 2011

                                              

                                                  Querida Lunna,

Antes que o dia acabe, que a dor que sinto na alma me paralise, antes que você me diga que setembro já se foi... Antes que eu esqueça que devo continuar e não mais recomeçar (lembra-se da minha longa e demorada viagem? Aprendi que continuar é melhor). Antes que a tempestade que se agita dentro de ti leve-a para longe de mim (mais do que já é)...

Peguemos o caminho já começado, um setembro pelo meio. Gosto de metades. Já escrevi sobre isso, gosto da laranja, mas só metade, gosto de dormir na metade da cama, por mais que ela seja enorme e eu esteja só. Gosto de meia-luz, gosto de meio caminho andado. Mas, odeio meias palavras. Gosto da palavra inteira, mesmo que seja um engodo.

Querida, passei os últimos meses arrumando e desarrumando malas. No final, carreguei oito na volta para casa. Eu trouxe livros, bandejas, toalhas de mesa ricamente bordadas... sim, esvaziei caixas e catei coisas para trazer para cá, assim como você, vou deixando pedaços de mim pelo caminho. Quando saí do aeroporto de Los Angeles, e caminhei em direção a um carro bem grande que me traria até aqui, senti o vento da terra adotada beijando minha face, brincando com meus cabelos. Senti fino frio passando entre braços e pernas, lembrando-me que aqui é que é o meu lugar.

Abri a porta do meu apartamento e um cheiro de Suzana antiga sorriu pra mim. Tudo quieto, carregando saudade, o vazio da minha presença pela casa, às vezes esfuziante, às vezes meditabunda. Estranhei tudo. Dois meses e meio fora de casa e a Suzana nova olhou espantada para a antiga, sentada num canto do sofá, esperando-me.

Enfileirei as malas no corredor de entrada. Coloridas malas, pretas, vermelhas e alaranjadas, resistentes. Abri uma delas e peguei um tapete de couro de boi, no formato natural. Preto e branco. Meu quarto é preto e branco. Às vezes, um pontinho de cor para quebrar o tom, um quarto aconchegante, porém. E eu que pensava que quartos dessa cor seriam frios demais, sem aconchego, mas é justamente o contrário. Mas pensar errado é o que mais faço... Estendi o tapete sobre o chão, ao lado da metade da cama que ocupo. Minha filha se pôs a pular em cima dele, fazendo giros, rolando, esfregando-se toda, satisfeita pelo contato. Ah, minha amiga, sei tão pouco de ti! Se me disser 'coitado do bicho', eu lhe respondo que sinto muito, mas minhas botas e meus sapatos também são de couro e também algumas bolsas.

O tapete é o símbolo da minha viagem. Misto de dor e prazer. Algo que irei lhe contando, com o passar do tempo, com o passar da minha dor.

                                          Beijos,


                                          Suzana Guimarães


Nota ao leitor: as cartas trocadas com a Lunna serão publicadas, no futuro, em livro. Mas, serão pouquíssimas as publicadas aqui no Blog.

RECADO PARA UMA CERTA MOÇA

(fotografia, por SCG)


Recado para uma certa moça: querida, continuo gostando de ti e gostaria de poder continuar a amizade, mas tenho um problema (ou seria uma solução, uma dádiva?), tenho uma memória extraordinária para tudo que ouvi, li e vi. Guardo nela, detalhes. Acredito que as pessoas cometem equívocos, e acredito também na inocência e na boa vontade de quem os cometeu ou os comete. Desses erros, a gente ri. A gente ri, pula e continua. E, por ter memória excelente, não aceito que me digam " eu não disse isso", "eu não fiz aquilo". Sequer preciso rever o passado para lembrar, tudo permanece vivo dentro de mim, sou um daqueles elefantes velhos que jamais se esqueceu do caminho para o desfecho.
                                 
                                    Beijos!

                                    Suzana C. Guimarães


Nota: A escultura para mim significa negação dos sentidos, nada de avestruz que de tanto se abaixar, acaba por mostrar a bunda.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

PROMESSA


(fotografia, por SCG)


Quando eu te encontrar, terei um discurso completo, flores e alguns laços, mas te entregarei silêncio.

Continuo na vigília da noite. Carrego em mim todas as palavras. E nenhuma. Carrego em mim, a certeza de que te encontrarei, dobrando a esquina, atravessando a rua ou mesmo parado, estático, na praia, lá onde as gaivotas se perfilam para ver o Sol adormecer. Carrego essa certeza como carrego a mim mesma. Sou aquela que ama fatos incontestáveis. E, para mim, você é fato e inconstestável.

É noite e eu te pergunto: qual palavra poderia me alcançar? Nenhuma.

Você não carrega palavras, você carrega tua alma. Você carrega um som em torno de si: meu sussurro chamando-o. Sussurro eterno.


Por Suzana Guimarães

terça-feira, 6 de setembro de 2011

AMOR X PALAVRAS

(fotografia, por SCG)


Palavras só servem de enfeite ou des-feito.

Eu fui ali buscar o amor, encontrei palavras, elas cozinhavam guizado, arrumavam a mesa, enfileiravam copos e talheres à mesa.

Quando me sentei, morri de fome.


(Suzana Guimarães)

Nota: mesma publicação, na mesma data, em Ana por Ana.

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

MOSTRA (IV) DE UMA SOLITÁRIA VIAGEM...

(arquivo pessoal de SCG)
(arquivo pessoal de SCG)


(fotografia, por SCG)