segunda-feira, 30 de agosto de 2010

NUDEZ

fotografia, por SCG


Texto escrito por AC.
Para conhecê-lo, clica no seguinte endereço:
http://ac-wwwinterioridade.blogspot.com/





"Procurei-te
No mais fundo de mim
Desenhei-te
Nos contornos do viajar intranquilo
Adivinhei-te
No vulto que dobrava a esquina
Ah, quanta cegueira
Quanta insistência na receita errada
Por uma quimera mil vezes desejada
Ah, quanta solidão
Quanto rebuscar no vazio
Em constantes vagas de frio
Então chegaste
Vinda do nada
E desmontaste
Com risos despreocupados
A construção do labirinto
Mil vezes tecido
Em adornos florais
Só então
No desespero da nudez
Vislumbrei
A génese da promessa
E percebi
Como tudo começou."

sábado, 28 de agosto de 2010

SUZANA`s

                                      

(SCG - arquivo pessoal)




                                                 por Suzana Guimarães

Eu não suportaria certas Suzana`s três dias seguidos

Suzana cansa.

Suzana cobra.

Suzana exige.

Mas há outras

E eu as revezo

Sou tantos livros lidos.

Sou mansa.

Sou morta.

Sou a que permite.

Mas há outras

E eu as revezo

Sou tantas idas e vindas

Voltas que vão

Vão e voltam

Eu não suportaria certas Suzana`s dois dias seguidos

Suzana descansa.

Suzana tinge.

Eu não suportaria a mim mesma um dia inteiro.

E me vou, dentro da noite, vagando em meus ritos

Para amanhecer outra

Feito amanhã,

Qual a que acordará?

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

TIRAR A PELE

fotografia, por SCG


Tirar a pele não é feito tirar a pele de quando se bronzeia muito e descasca. Tirar a pele é entrar no curtume, fechar a porta, esquecer onde pôs a chave e ficar. Primeiro, procura um espelho, que seja o do banheiro minúsculo do fundo da casa. Para e olha para ele pelo tempo que precisar. Não procure as belezas que você tanto conhece. Caça os defeitos. Abra bem os olhos. Eles estarão lá dentro de você. Esse é o primeiro passo para você ter certeza de que a pele que será arrancada é a tua mesma.

Depois, pega sal e se esfrega. Esfrega-se todo para descarregar a alma e protegê-la de si mesmo. 

Não pense que o processo cheirará a magnólias. No curtume só há fedor. Não é fácil arrancar a pele. Não é fácil tentar ser outro. Talvez, você consiga, talvez não. Mas ninguém, nem você se esquecerá de que você tentou, você entrou no curtume, fechou a porta e se esqueceu por um longo tempo de lá sair.

Retirando a pele, esqueça-se de você, larga mão, despreza-se. Vá puxando a pele que dói e pensa nos outros. Você só conseguirá arrancar toda a pele velha, arrancar teu mundo velho, se você conseguir enxergar o outro. O outro é o mestre, é o guia, a estrela, teu carrasco, tua brisa, tua guerra, teu repouso. O outro poderá lhe mostrar o caminho. Ou não. Mas, não se preocupe, o mundo está cheio de outros. O mundo é cheio de tudo, mas você precisa encontrar o outro no vazio que o mundo lhe entrega. Não se sinta o único e nem o primeiro. Você é mais um.

Depois de um certo tempo, quando se sentir mais leve, sem toda aquela pele, procura a chave - ela estará na sua mão, você apenas se esqueceu dela - abra a porta e saia.

Se, amanhã, precisar, volta lá. Repita o processo até o dia em que nem mais pensará no assunto, por muito ocupado em que estará, fazendo o(s) outro(s) feliz(es).


P.S.: O fedor não é de todo ruim, durante o processo, mas procura não se acostumar com ele. Não pense que são magnólias.


Por Suzana Guimarães

terça-feira, 24 de agosto de 2010

ELA, NA CADEIRA DE BRAÇOS LONGOS

Fotografia, por SCG




Suzana C. Guimarães

Toda noite, ela se recostava na cadeira de braços longos. Toda noite. Era hábito. E todas as noites eram normais, terça-feira qualquer. Mas, depois, tudo para ela ficou feito acidente cerebral - não, ela não adoeceu. A memória apenas não mais lhe arde os olhos, a memória recente. O que lhe arde é a lembrança antiga. A primeira briga, não, briga é palavra forte, nunca houve na vida dela violência física. A lembrança antiga é a do primeiro desentendimento, quando ela descobriu que as águas do lago não eram tão lisas, espelháveis.

Toda noite, ela se recosta na cadeira de braços longos e quando a cabeça encosta na almofada, a primeira ofensa volta, apenas a primeira. Virou hábito. E todas as noites deixaram de ser normais, terça-feira eterna. Ela fecha os olhos para descansar e sente...

o vestido novo, todo bordado à mão, sua irmã mais velha, com tesoura em mãos, retalha tudo. E o deixa arrumado, feito brinquedo de montar já montado em cima da cama.

o bolo de casamento, todo branco de glacê, que vai ao chão.

bebês que morrem ao nascer, viagem que não se cumpre, beijo negado.

decepção.

impotência.

Toda noite, ela se recosta e sente e aceita. Talvez, aceitando, recebendo a tristeza, ela se familiarize com a visão daquelas águas em turbulência.

O professor ensinou e ela não se esqueceu: "senta atrás dele, fique bem próxima, veja todos os dias, as caspas que caem em suas costas, as unhas grandes, o dedo no nariz."

Mas é noite, é toda noite, é toda terça-feira eterna, e na cadeira de braços longos só cabe um, só cabe ela. Ela e a lembrança, a primeira.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

OBS.:






Minhas publicações não acompanham o meu estado de espírito. Nem o meu estado de espírito me acompanha, imagina então os textos.

Por gostar de escrever por entrelinhas, viver por entrelinhas, às vezes, permito-me enviar recados.

Quem não tem pombo-correio, usa a Internet.

  Suzana


Nota: mesma publicação, na mesma data, em Contos de Lily.

domingo, 22 de agosto de 2010

silêncio


fotografia, por SCG
ontem:

silêncio... silêncio
minúscula folha da árvore voa
barulhinho rápido
silêncio... silêncio
aquela bica, aquela bica persiste na memória
vejo filete batendo em pequenas pedras
silêncio...
geralda fumando cigarro de palha
olhando o céu
silêncio
eu olhando ela
ela olhando o nada
silêncio... silêncio
vô e eu chupando manga
a água da bica passa por lá
silêncio...
desnecessárias palavras
desnecessárias.
silêncio
ploft
mais uma manga no chão
"prefira as do pé",
ele dizia.



hoje:

silêncio...
nos corredores do palácio
pela impossibilidade do saber
eu pedi
na certeza do pedido
eu jurei
silêncio
eu não vou quebrar
dom me ouviu
e eu não posso mais negociar
silêncio...



ontem:

silêncio... silêncio
o corpo no balanço vermelho
nhec....nhec
silêncio
o corpo não pensa
o corpo não ama
o corpo sozinho
nada quer
o vento passa
na varanda florida
os meninos passam
a vó passa
a campainha toca
eu, invisível
silêncio... silêncio

                                                  por Suzana Guimarães

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

MEU TIO MORREU DE AMOR


   
(fotografia, por SCG)
                                                                  


Meu tio morreu de amor. Eu não quero morrer de amor, mas quero morrer amando. Amo mais o amor que o amado. Amados são vários, passam. O amor é que me faz leve, tranquila ou sobressaltada. É ele que justifica eu tão abstraída, parada num trânsito caótico, esperando ser atendida pelo médico, numa viagem longa que não termina nunca. O amor me faz permanecer na fila de um banco o tempo que for, sem nem perceber. É ele que me distrai quando estou no supermercado, fazendo compras, lavando o carro, limpando a casa. É ele que me faz aturar aquela festa chata, aquela gente chata. O amor tira os meus pés do chão. Há quem tenha medo dele, eu não. Nem um pouco. Há quem diga que amar faz ferida, deixa cicatriz, mágoas, mágoas... pode até ser. Mas há tanta coisa nesta vida que faz o mesmo em nós e nem por isso ficamos nos esquivando delas, pois esquivar do amor é dar as costas para a existência. E a relatividade das coisas? Existe. Um mês para mim de férias, quer seja numa linda cidade praiana ou com neve, exausta-me, cansa, passo a pensar na minha cama, no meu quarto, minha mesa, minha cozinha. Tudo na vida faz bem e faz mal. A mesmice cansa, o mesmo gosto, entedia. O amor não se exclui de nada, balança-se também na relatividade das coisas. Hoje, muito bom, amanhã não.

O bom é o gosto do amor. É você tomando refrigerante num dia quente e abafado. É você saboreando um pedaço de chocolate, em um canto bem escondido da sua casa, para não ter que oferecer - ou o pior, dar - um pedaço para alguém. É quando você mergulha fundo na piscina e sai, lá do outro lado, e respira. O seu amor é seu. Bom, o meu amor é meu e a ninguém devo satisfação. Creio que nem Deus quer saber, nem Deus quer que eu me explique sobre o gosto que sinto.

Se o amado vem por um ou dois dias apenas, se não vem; se ele me traiu, se ele me abandonou ou nunca quis saber de mim, problema meu também. Sou eu quem tem a obrigação de saber lidar com isso. Sou eu quem tem que alargar a visão, esticar o pescoço e olhar em volta. Já chorei muito por amados, mas, na maioria das vezes, veio outro, claro como um dia, e desviou a minha atenção. Enquanto o amado feio não me queria, outro enlaçava-me e carregava-me nos braços. Então, para mim, pouco importa a duração do amor, ou o tamanho dele. O que importa é que, um dia - eu sei que às vezes demora - irei me lembrar daquilo que vivi e pensar que bom que vivi. O que não quero é passar a vida na secura dos meus gostos e dos meus pensamentos. Quero matéria para aguardar sentada e quieta à uma consulta numa sala de espera. Eu quero ótimas razões para tirar e colocar o carro da garagem vinte vezes ao dia, naqueles dias quentes, cansativos, chatos.

Quero o devaneio a que o amor nos leva. Sou eterna apaixonada dele, do amor.

Quando falo de amor, não estou falando de sexo. Sexo pode ser uma consequência dele ou não. Sexo para mim é uma ótima forma de relaxamento. Amor e sexo não são palavras sinônimas. O sexo é igual ao amor que pode acontecer quando você menos espera. O sexo também traz a leveza e pode, inclusive, trazer um amor daqueles que a gente não vai esquecer nunca. Mas, o sexo dura o tempo dele e só. Quando termina, você ainda fica um tempo sentindo lassidão, toques, arrepios tardios, mas tudo se vai rápido. Você se levanta para cuidar da vida ou dorme. Bem fazem os orientais que preferem estender ao máximo as preliminares. É melhor mesmo, gastar tempo e energia nesse momento, pois após o gozo, você acorda. Acorda e se sente realizado, sai deslizando atrás de comida na geladeira - se não for dormir ou cuidar da vida. Mas pode ser que acorde também e se lembre que deixou algo em casa e precisa ir buscá-lo. Nem sempre o sexo pode acabar bem. Aí, nesse ponto, ele também se parece com o amor pelo amado. Mas, amor você curte sozinho, saboreia o refrigerante na sua mais plena forma, você, um ser único, individual, um ser um, mesmo que em lágrimas. O sexo não lhe traz isso, você tem que fazer mais sexo, senão você acaba por esquecê-lo (conheci muitas pessoas que já nem se lembram mais do que se trata). Você pode carregar o desejo pelas ruas afora, ir ao banco com ele, assinar contratos com ele, mas você carrega não o sexo em si, você carrega a vontade de fazê-lo e imagina preliminares, imagina-se rolando nas brasas do fogo. Os bons desfechos não vêm garantidos.

O amor pelo amado também não garante nada. Mas o amor, sim. Eu não quero morrer feito o meu tio, mas da mesma forma que muita gente precisa do sexo - inclusive eu - para sentir areias se revirando ou aviões decolando e aterrisando dentro de suas barrigas, eu preciso do amor para alimentar a minha alma. Ele me garante que estou viva, que sou um ser que brilha e não uma nuvem no céu, daquelas insignificantes que nem medo e nem chuva fazem.

Por Suzana Guimarães

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

APANHADORA DE SONHOS



                                        Texto de Valéria Sorohan



 "Eu acredito em sonhos!

Eu acredito em chão

que se cobre de estrelas,

em fecundação da vida,

em precipícios

que se transformam em céu.

Por isto insisto

nos meus finais felizes.

Tenho como certo

que tudo recomeça

a cada instante.

E pactuo

com o amanhecer,

a esperança de saudar

um novo dia."



Apanhadora de sonhos,


Pegue os meus, por favor, por amor, e embale-os para mim. Embale-os em seu braços, embale-os para outros braços... Veja para mim, se o chão estará mesmo coberto de estrelas. Quero-as todas!


Suzana


Clica no endereço abaixo para você conhecer a Valéria:

http://rasurassobreviventes.blogspot.com/

sábado, 14 de agosto de 2010

SEM TÍTULO



Estou aqui, sentada na minha cama (enorme exceção que faço, pois, ou fico em minha mesa ou recostada no sofá), com o laptop no colo. Os olhos embaciados. O corpo parado, apenas os dedos se movem no teclado. Olho fixo na tela, mas os pensamentos infinitamente distantes, não de vocês. Eles fazem uns giros para trás, e reencontro-me, a menina magra, magra, que só tinha cabeça e joelhos. Que ria o tempo todo, apesar do eterno olhar tristonho. Ria tanto que fazia xixi nas calças. Eu era doce e silenciosa, mas desde cedo percebi que na infância também encontramos meninas e meninos maus. A pouca idade não poupa muitos da maldade. O que eu fazia era me esquivar, mais silenciosamente possível ou chamar para a briga - ninguém nunca aceitou. Eu já tinha o meu mundo 
e para ele ia. Comprava água mineral gasosa, e elas vinham em garrafas escuras, de vidro. A mercearia ficava ao lado da minha casa e eu ia lá sozinha, fazer a minha compra, mandar colocar na conta do meu pai. Ia para a varanda da minha casa, sentava sozinha numa cadeira de madeira, em frente a uma mesa puxada de dentro da casa, tudo debaixo de uma samambaia que chegava ao 
chão - tentativas de me esconder - com a única finalidade de tomar a água que fervia, em paz (com 
certeza, eu sempre gostei de tudo que ferve).

Depois, virei moça e odeio me lembrar desta época. Pulemos.


Hoje, estou aqui, lendo os comentários que recebo, presentes. Quando a menina virou moça, de tão esquisita ganhou muitos rótulos e ela teve que aprender a ser camaleoa e teve que abrir o armário do quarto e se enxergar no espelho. No espelho, não via nada que lhe agradava. Mas de tanto insistir, com o tempo, passou a descobrir as pedras brutas que poderia lapidar a fim de ser um ser incrustado de olhos de mosquito de diamantes, mas sem se importar com o tamanho da pedra lapidada, apenas se importando que havia conseguido catar alguma coisa, pontos brilhantes em si, que poderiam até ofuscar. Não. Não havia a intenção de concorrência, nem de anular alguém, era apenas uma arma carregada nas costas, feito aqueles agentes da polícia, aqueles chamados apenas para operações especiais, que passam por nós, empunhando armas pesadas, e a gente não sabe se o charme está neles ou nas armas tão ostensivas e imponentes. Talvez, apenas fetiche meu e ninguém sinta isso. Feito o prazer que sinto vendo o homem da câmera filmadora que nem sabe por onde pisa e segue sua presa com persistência, tenacidade, se levantando, se abaixando, se torcendo todo para filmar os melhores ângulos e nada mais vê ao seu redor. Sinto comichão por esses homens e nem sei se sentiria se faltassem as armas ou a câmera.

A moça procurou e se encontrou porque sabia que ninguém mexeria um dedo por ela.

Hoje, enfim, mulher. Uma mistura de cansaço com infantilidade. A criança que ria até fazer xixi nas calças, ainda permanece, apenas se controla, os anos ensinam.

Agradeço a todos que me agradecem e reconhecem minha sensibilidade, que venho carregando a duras penas. Hoje, já não sei onde termina eu e começa vocês que leem melhor que eu mesma, meus próprios textos. Vocês sempre reagem além do que eu esperava. São vocês que carregam sensibilidades, talvez eu tenha carregado apenas cargas. Mas, hoje, as cargas viraram plumas, me deito nelas, de tão macias, amaciadas por vocês. Vocês tocaram na minha alma - como conseguiram isso? -, viram textura, cheiraram e saborearam cores, descobriram os meus segredos - que custo tanto para afogá-los! -, não me mastigaram quando eu era flor, não se azedaram com minha realidade, decifraram-me sem qualquer tentativa de devorar-me. Aceitaram e respeitaram minhas estranhezas, minhas tolas tentativas de me armar contra guerras agora apenas imaginárias. 

Publico aqui, um carinho que recebi do Santa Cruz, meu novo amigo no Blog, que mora nas belas terras portuguesas que ainda não pisei. Um carinho, um afago, um beijo leve, palavras, palavras, que para mim sempre soaram mágicas. 

Obrigada, Santa Cruz!
                                                           Suzana Guimarães

O Amor de Susy
                                por Santa Cruz


Hoje minha mente se lembrou...
Como és Susy!
O Explendor de uma mulher bela;
O meu coração se rasgou?
Ao olhar para o teu lindo rosto:
E ao ver o teu lindo sorriso.
No meu silêncio...
Vi todo o explendor:
De uma bela e doce mulher.
Susy doce Susy....
Que o meu Senhor e meu Deus;
Te proteja e ilumine:
E te dê tudo o que desejas.
Para que durante...
A tua peregrinação na terra;
Seijas sempre feliz:
No meu eterno Jardim...
Eu te semeei;
E no meu coração:
Eu te guardei.

Onde encontrar o Santa Cruz (clica no endereço abaixo):

http://silenciodosmeussonhos.blogspot.com/

terça-feira, 10 de agosto de 2010

EU SOU UMA MULHER




(SCG - arquivo pessoal)
   
                                                            
                                                             por Suzana C. Guimarães


Eu sou uma mulher que anda por ruas, avenidas, planícies... cujo corpo, eu posso abandonar em pleno cruzar de uma esquina, ao esperar um semáforo mudar de cor, ao caminhar à beira mar. Eu sou uma mulher de antenas, você não as pode ver, nem eu, mas sei que existem, pois são elas que me guiam ou mesmo me desvirtuam, mas depois acertam o caminho. Eu sou uma mulher que ama a si mesma. Eu sou um presente de Deus para mim mesma. E esse presente, eu preservo, amo, zelo.

Os meu pés, eu cuido. Hidrato. Massageio. As unhas sempre tão lindas! Porque eles são tudo o que tenho para me locomover. Eles me sustentam numa dança ou diante da espera, eles me suportam em tamanha maestria mais que qualquer um poderia fazê-lo. Eles caminham por mim e quando reclamam apenas imploram por leve toque das minhas mãos.

As minhas mãos... Ah, minhas mãos! Tudo o que há de mais belo em mim! Elas tocam peles, cabelos, alimentam. Elas batem, cuidam, acariciam. Elas escrevem cartas de amor ou desamor, assinam destinos, enxugam as minhas lágrimas, percorrem meu corpo, buscam a Deus nas madrugadas. As minhas mãos... elas falam, elas são gentis, possuem ar de madame por tão longas, finas, gestuais! Eu as hidrato, eu as banho em águas de rosas. Elas acenam adeus, elas enviam beijos, colhem flores e tiram os espinhos que me furam. Minhas mãos recusam beijos.

O meu tronco. O meu tronco às vezes se enverga muito, mas sempre me lembro do que passou e o levanto com rapidez e força. Eu sou uma mulher que anda por aí, por aqui, de cabeça erguida, alheia aos passantes, absorvida pela vida. Eu sou uma mulher que ama a si mesma; o meu passo é leve, sem pressa, mas eu não sei achar nada, só tenho certezas ou dúvidas.

Meus braços já não suportam mais tanto peso, mas recebem e se entregam. E, nos dias de solidão, eles me abraçam, embalam-me docemente, feito a um bebê e a minha voz surge soprando cantigas quaisquer. Os meus braços já quiseram abarcar o mundo, mas hoje aceitam o inevitável e o inquestionável.

Meu sexo me dá prazer, me deu crias, me deu dores, mas acima de tudo é o que carrega a esperança e a certeza de que o amanhã pode amanhecer bem melhor.

Minhas pernas me levam, se entrelaçam em outras pernas, mas principalmente se apertam em mim quando sento e choro, quando me deito e anseio o feto. Minhas pernas lembram-se de mãos, recordam pensamentos perdidos na maciez, aqueles minutos que nada dizem, nada dizem. Minhas pernas me guiam numa forma que nunca ninguém ousou fazê-lo.

Minha barriga, ah, minha barriga! Quantas vezes cortada? Quantas vezes crescida, inchada, doída? Minha barriga conta minha história que iniciou no umbigo, pariu outros e recebeu toques leves de mãos sedentas. Minha barriga possui a fome do mundo e a minha, a fome que comida nenhuma sacia.

Meu olfato, minha audição, minha língua, minha pele, meus vãos... amo tudo isso pois é tudo o que realmente possuo. Nada mais tenho além do meu corpo, exceto a alma que paira por cima, ao lado, ao redor.

Eu sou uma mulher que anda por aí, por aqui, e outras mulheres olham e admiram ou invejam. Eu sou uma mulher que caminha com prazer no andar e os homens amadurecidos são sempre tão gentis e me olham com olhos gulosos. Sabem que existo, imaginam quem sou eu . Eu sou uma mulher que os meninos admiram, aguam. Eu sou uma mulher que caminha e os mais velhos cumprimentam. Os tolos assobiam.

Eu sou uma mulher que enxerga muito além do permitido, pois, vejo através da janela do universo. E isso me eleva e isso me atira ao chão. Eu sou uma mulher que sonha. Eu sou uma mulher que tem urgência constante de interpretar cada sonho bem ou mal sonhado, mas que nem sempre consegue. Sim, sou eu uma bruxa! Aquela que predestina.

Vivo dentro da roda e cheiro a perfume de melancia. Eu sou uma mulher completa em si, algumas belezas nem sempre concretas, desvãos, defeitos e segredos, celulite, cicatrizes e manchas, mas que sabe que tudo lhe pertence e a ninguém dá nada, só troca.

Eu sou uma mulher que pode lhe tocar de leve, pedindo colo, ou então, puxar a toalha da mesa, ou o tapete, aquele mais próximo a você, para alcançar o meu objetivo tolo de fazê-lo sentir igual a mim. Porque eu sou uma mulher que não se importa de ouvir verdades. Eu sei que todos nós as temos. Mas eu passei a vida sonhando com pessoas que rasgassem as minhas fotos, picassem as minhas cartas, gritassem para mim o tanto que estavam magoadas comigo, só para eu ter o direito de me defender, só para eu ter o prazer de ver alguém totalmente despido.

Eu sou uma mulher que anda por todos os cantos, recantos de almas, esconderijos secretos. Eu sou uma mulher que já pressentiu a morte várias vezes, mas fez pacto com ela. Eu sou uma mulher filha de Deus. Eu sou uma mulher que grita bem alto para que Ele me atenda, mas que também sussurra implorando compaixão.

Eu sou uma mulher que pensa, pensa, pensa tanto e ferve tanto e espera tanto e fala tanto e sente tanto que é preciso tempo e vela para se reorganizar, se entender, mas durante anos, quis ser apenas bem centrada, bem controlada e fria, pois eu não queria pensar e não podia sentir.
Descobri que personalidade nasce junto e não há como se desgrudar dela, mas falar, alivia, e esperar é um vício bom.

Eu sou uma mulher tão assim assumidamente mulher porque me deram um livro para eu ler, numa língua que eu desconhecia e me deram um tempo curto, muito curto para decorar cada vírgula, cada frase, cada passagem à qual eu passaria.

Eu sou uma mulher que quando morrer será cinza. A cinza de alguma flor. A flor de alguma cinza.

domingo, 8 de agosto de 2010

LÁ, ONDE O RIO É COLORADO AZUL E TUMBLEWEED NASCE, VIVE E MORRE. DEPOIS, VOA NO VENTO.

fotografia, por SCG
                                                           

Na terra seca, meus olhos ardiam. Na terra seca, eles abrasavam porque o calor atravessava meu corpo e violentava minhas texturas mais íntimas. Eu porém não me sentia seca, estava úmida de lembranças. Na terra seca, eu me reencontrei. Percebi que muitas vezes sou ardor insuportável. Talvez eu arda inúmeras vezes sem necessidade, mas na terra do bafo quente onde qualquer vivente respira, tudo é esperado e normal. Talvez, isso seja muito apreciado por lá, pois vi sorrisos aguados. 

Vi tanta areia e elas andavam por dentro da minha barriga, devagarinho... rolavam, giravam, passeavam e desciam involuntárias. Meus pensamentos faziam o mesmo movimento, ou eram eles que moviam as areias? 

O que eu via da janela do carro era somente aridez, mas quando desci desse carro, senti um bafo tão quente, não do Sol, mas do próprio ar, uma outra forma de vida que eu deconhecia. Descobri que pouco sei de muita coisa. No meio da aridez, um rio azul cobalto, colorado, que meus olhos jamais haviam visto e eu podido imaginar. As lembranças ainda subiam e desciam em mim, faziam contrações feito as árvores retorcidas de calor, enquanto eu admirava a terra desolada, onde certo arbusto, o "tumbleweed", se contorce e se arranca do chão por quase nada, um fio fino que o segura, depois rola, rola e você pensa ver bola voando no balé dos ventos. Mas é apenas mato, nasce mato, depois seca, depois morre e mesmo morto ainda voa. Toda noite voa sem rumo. Desci do carro e entrei no rio. Eu que nunca havia mergulhado em águas tão doces, tão naturais... tudo, entretanto, antagônico, numa terra tão dura e quente, água tão leve e congelante... senti o quanto meu corpo estava pesado... mas eu forcei e imergi para sumir com toda aquela areia que remexia no ventre, para sumir com as contrações e com a brasa nos olhos. As águas revelaram-me meu corpo seco, quente, urgente, exigente que mal afundou. Descobri nessas águas, que muitas vezes, querendo ou não, fui e ainda sou passível de ser igual àqueles arbustos, mato que cresce em qualquer canto que haja um pouco de vida. Percebi que mesmo com pouco ar, mesmo morto, mesmo ardendo em brasa, mesmo tudo tão árido, tudo é vida. Mas nunca a mesma vida. Eu, tão igual àquele mato que espirra sementes aos ventos. Depois de seca, contorcida, se arranca do chão por quase nada, presa por muito pouco, e depois rola, rola, rola no vento... e joga sementes também aos ventos, esperando sempre feito aquela gente que espera por hábito de sempre esperar. 

Saí daquelas águas, perplexa. Saí purificada. O rio azul levou aquela sensação estranha de que é ruim ser bem pouco.

À noite, choveu após longo tempo seco. E eu me refiz naquele movimento cíclico da vida, que, por vezes é feito também de pouco, bem pouco.


                                               Suzana Guimarães

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

FUI COMPRAR BATOM - antes de sair para a compra, deixo este outro bilhete no espelho

(imagem de SCG)
Eu poderia pedir a Deus que trocasse a minha tensão elétrica. Eu poderia pedir para baixar de 220 para 110V. Eu poderia pedir para ser menos. Eu poderia pedir para deixar de ser ventania, tempestade, tapa forte, ou simplesmente flor, e ser apenas dente-de-leão, fiapos de algodão juntos, e que, com um simples e pequenino sopro vai para os ares. Eu queria pedir, mas tenho medo. Tenho medo Dele realizar o meu desejo e eu sentir saudades de mim... Suzana

domingo, 1 de agosto de 2010

VOCÊ

                                      Ilustração de R.Meneghini
    

Você girava na cadeira giratória. Talvez pensasse estar num parque de diversão. Talvez, não sei. Você rodava, rodava, meio sorriso, olhando para o nada. Eu cheguei sem avisar, a gente não se conhecia, entrei mais rápido do que o meu hábito, de andar manso. Você deu uma guinada e me viu. Foi quando eu vi o mar, numa terça-feira insossa, numa agenda com imprevistos, num escritório igual a qualquer outro do centro de uma cidade. Eu acabava de entrar, ventando numa saia verde, falando alto, fazendo barulho, cumprimentando os meus conhecidos. O que você viu, eu não sei, até hoje. Mas eu vi o mar e o céu num dia claro, de sol. Vi a pedra que se incrusta em nobres metais, vi os botões do casaco do meu avô, a tinta de colorir.

Você fez história comigo. Insistiu em escrever um livro de oitocentas páginas. Eu queria, eu não queira, mas as duas pedras me convenciam, a boca linda com dentes quadrados, os lábios gostosos de se morder. A cara torta (eu que sempre gostei de certas coisas desalinhadas, achei ótimo!). Fui encaixando-me em seus braços que se fechavam nas minhas costas e eu passava a estar então vestida com blusa de outra cor, a cor da sua camisa. E eu fui ficando, me encostando na rocha fria, na pedra fria que sabia usar a língua.

Você ficou em seus tropeços. Insistia neles, teimava neles. Contudo, você sempre perseverou nas poucas coisas em que colocou fé. E eu era a sua fé. Eu sou uma das suas maiores crenças, e, até hoje, eu não sei o que você viu... Eu nunca soube ao certo o tamanho de todos os seus desejos, mas você me mostrou que não ia para caminho nenhum porque você fazia o caminho. Chegar a algum lugar? Você ia, nem que montado num porco e seria capaz de morder esse porco se ele atrasasse você para nosso encontro. Eu ia em qualquer caminho porque eu não tinha rota, nem mapa e nem bússola – péssima em me achar, ótima em me perder. Você sabia tudo de bússola, de sobrevivência na mata, na água, nas ruas de qualquer cidade. Você sempre foi do mundo. Nunca foi de ninguém, mas insistiu que seria meu. Eu até hoje não sei o que você viu.

Locomotiva nenhuma esperou por você. Mas se eu estivesse nela, você se pendurava num gancho qualquer sem se importar com a velocidade dela e nem com a minha. Você nunca esperou o cavalo passar arreado, você caçava o cavalo. Mas, perguntava em sua correria, qual a cor, qual o tamanho, qual a raça que eu preferia. Você jogaria um urubu naquele avião se eu decolasse sem você. Você voou comigo por vários céus, mas o melhor foi o da Bahia. Você me convidou para ver o que você via, o mundo que Deus via. E aquele foi o melhor dos meus voos. Meus pés no céu, abaixo dele, o azul, doce plainar de asas. Na descida, o maior dos gozos, nós engolindo a terra que vinha que vinha que eu engolia para dentro da minha gargalhada. Se não fosse você, eu não saberia...

Você me fecundou. Você me amou. E você, que nunca foi de se dar, se deu para as suas crias porque eram as minhas crias. E elas, tão lindas, recordam você. Você sempre foi o meu primeiro soldado, meu primeiro tenente, aquele que eu sempre soube que me renderia. E você me rendeu todas as vezes em que eu me retirava um pouco do mundo, escapava dele e de seus donos, e ia, ia, ia e ninguém, nem eu, sabia com certeza para qual sina. Você que nunca soube ao certo se deveria respirar ou não, me tocar ou não, soprar os ventos ou não... Mas sempre soube o tempo de se afastar, esperar e cultivar a arte de não deixar perder. Você, tão dependente da sua rainha sem reino, você, eterno necessitado da insulina dela, você sempre soube a hora em que teria que comandar o batalhão, navegar a barca, fazer sombra ou não. E sua rainha lá ia, envolta em magia, abstraída.

Você continua o seu giro. Diverte-se em brincar na sua roda-gigante, no tobogã dos meus sentimentos por você, no carrossel que faço girar na minha constante inconstância com as coisas da vida. Para você, tudo não é mais que o parquinho de diversão. Para você, tudo brinde que ganhou. Você zela pelo parque, mas o faz de longe porque sabe que tudo na vida, um dia, pode parar, quebrar, mofar. Você sabe que posso voar, abrir os braços para o nada, para aquele precipício louco e fundo que tanto me atrai, mas você nem pisca, fixa os botões do casaco e conta as ondas do mar, desenha outros céus, faz coleção de bolinhas de gude cor blue... joga o jogo da paciência dobrando papéis, criando tsuru, sapinhos, florzinhas em origâmi, soltando-os aqui e acolá, em qualquer lugar por onde eu andar, só para dizer ao mundo que você não deixa a vida passar e nem o parquinho parar.

Parque de Diversão Primeiro de Agosto, 2010. Be happy!

                                                      por Suzana C. Guimarães