segunda-feira, 28 de outubro de 2013

JURA DE FILHA, porque eu não vejo flores em pedras.


(arquivo pessoal de Suzana Guimarães)

Você não sabe, mas após sua partida, fiz jura, jura de filha. 

Antes, a pedra arremessada, a pedra bruta, a pedra minha, a sua, a dele; antes, a dor do desvio, do choque, da certeza.

Após, agora, o pó. Fiz da pedra, pó. E penso se isso poderá melhorar minha cútis ou não. Nada mais, nada demais, tudo o que posso carregar: pó

Cansei. Não posso salvar todo mundo. Não quero aceitar beijo por dó.

Acertei o relógio da vida comigo mesma. Egoísticamente, vivo para estas horas, horas minhas, e de ninguém mais. 

Enquanto eu o perdia, enquanto você partia, em sua partida, quando abaixo de mim, um chão se abria, a cada passo, a cada ato, no caminho em que eu ia, ao seu encontro, num tempo incontrolável, nas horas que seriam só minhas, miravam-me e muito pouco eu sabia, agora, sei. 
 
Em sua partida, ousaram-me pedrinhas, como se pedras não fossem... quiseram beliscar minh'alma em chaga, ultrapassar os limites permitidos, pisotear solo sagrado, fazer da minha dor, desculpa.

Deixo-lhe aqui minha jura, cada um, pó que lanço aos ares, aos mares, ao sítio de todos os males.

Aprendi em um último momento, em um ano, um dia, uma hora, uma eternidade, aprendi a desviar-me, a evitar, a ignorar - a maior de sua herança, ignorar no osso, aprendi também a triturar, até ao pó.


Por Suzana Guimarães

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

O IDIOTA



Suzana Guimarães, arquivo pessoal


Eu procurava, ao telefone, justificar os atos dele.

Ela: é um idiota!

Eu teimava: foi por isso, foi por aquilo.

Ela: é um idiota.

Eu insistia: foi por a, b e c.

Ela: é um idiota.

Eu: pensando bem, ele pensou, entendeu, equivocou-se, adiantou-se...

Ela: é um idiota.

   
Teimei em procurar razões. Não há. É um idiota.


Por Suzana Guimarães




Nota: Texto publicado originalmente em "Eu disse que gostava de diários?", em 23 de outubro de 2013.

terça-feira, 22 de outubro de 2013

Um outono que não esquecerei


(arquivo pessoal de Suzana Guimarães)



Los Angeles, outono de 2013.



Querida Lunna,

Tenho provas de Inglês para fazer ainda nesta semana, uma pilha de roupas lavadas e secas para guardar, uma outra pilha de panelas em cima da pia esperando por minha arrumação... mas, fico aqui, num passeio inconsequente e sem destino pela Internet. Lendo não sei o quê, esperando o que nem imagino acontecer, e, eu não imagino nada. Não quero melhorar do meu luto, nem piorar, não quero nada, nada. Sinto fome, muita fome e sono. Parece que tudo isso que deixei de fazer por longo tempo, agora, ganha força e carência em mim.

Então, decidi escrever-lhe porque você ama cartas, assim como eu, mas, principalmente, porque tenho certeza de que essa será um vento a lhe cutucar de leve, um aroma de café, cheiro de hortelã. Qualquer coisa boa. Cá em mim, tudo cinza e triste, machucado e pisado. Pensaram, minha amiga, pensaram que a minha dor pela morte do meu pai era pouco. Daí, machucaram mais. No fundo, lá no fundo, eu rio, pois, diante da dor maior, as outras ficam desbotadas, frágeis, apesar de ainda obterem algum incômodo.

Dentro de mim, só desgosto, apesar de que ando socando-me e deixando-me socar no tatame. Apesar de que voltei às aulas na faculdade, de que estou procurando voltar à normalidade... apesar. 

O pior ano da minha vida, 2013, assim evidenciado desde o seu início, e, eu, tola, não pensei que ele poderia ficar marcado a ferro. Comentei com você? Meu pai faleceu no dia do aniversário da minha irmã, 29 de setembro. Um mês após eu voltar para a minha casa, para a Califórnia, deixando-o, dentro do quadro de saúde dele, em bom estado, em casa. Aqueles dias no hospital foram sofridos, mas me levaram de encontro a ele. E eu agora choro a sua partida.

Um tempo lá, dois meses, outro cá, um mês, sendo que durante metade desse mês, ele esteve de volta para o leito do hospital, CTI e muito sofrimento. Eu, aqui, não sabia o que fazer. Queria voltar para ajudar, mas tenho meus filhos ainda crianças... de repente, a notícia, "venha rápido, ele está por poucas horas".

E aí seu mundo vira-se. Uma viagem às pressas Califórnia/Minas Gerais, como se fosse ali. Ali não existe, pois tudo é longe quando se está sofrendo. Mais duas semanas escritas num caderno amarelado de histórias... e eu de volta, já há uma semana. Como poderia eu desejar algo linear estando em curvas? 

Por isso, a mínima vontade de ser, apenas estar. Estou aqui, estou onde preciso ficar. Estou para dentro. Estou sofrendo. Fiz-me em concha. Fechei as portas e janelas. Afastei intrusos. Estou no meu legítimo direito de amargar, sem desejar remédio, consolo. Meus colegas olham-me nos olhos. Algo que me dói. Fico à beira das lágrimas e só respondo "thank you, thank you", como se todas as palavras faltassem e faltam.

Falta tudo, Lunna! Uma brecha abriu-se, fiquei em pleno vácuo e não há sorrisos que me conquistem... crianças olham-me nos olhos e ficam sorrindo para mim, na escola da minha filha, não ouso devolver os sorrisos, pois sairão falsos demais, procuro por doces palavras, procuro uma doçura que se perdeu...

Com a certeza de que esta doação que faço de mim, em forma de carta, será abarcada, embalada, tratada como o mais raro dos brilhantes, eu me vou... e deixo-lhe um abraço.

Suzana


Por Suzana Guimarães

domingo, 20 de outubro de 2013

(desconheço autoria da imagem)

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

UM TEXTO PARA MIM



(Desconheço autoria da imagem)

"Eu queria ouvir algo que me enchesse toda..."

Aquilo que ouvi ontem, quero ouvir novamente amanhã, hoje, não, porque ainda não ganhou espaço ouvido abaixo e tudo aquilo que eu quis ouvir e que me enchesse toda e ficou feito ladainha íntima, mergulhada no mais fundo dos buracos dos meus desejos, tudo aquilo, precisa ser ouvido internamente milhões de vezes, como se fosse um eco. Quero o eco, quero que se repita em mim até a mais completa compreensão e assimilação. 

Eu ouvi, ouvi, sei que ouvi. No entanto, parece que não. Parece que foi alucinação, delírio, sentidos exagerados... um sonho, uma voz, palavras de fantasmas, entes pequeninos, fadas, querubins, aquelas vozes que gritam nossos nomes, e ninguém gritou. Mas, eu ouvi.

Aquilo que ouvi ontem, eu poderia ter ouvido deturpado por minha eterna incapacidade de falar línguas estranhas... mas, eu ouvi na linguagem do berço, do antes do nascimento, aquela que me salva na hora da dor, do amor e da reza. Aquela que direi aos gritos, em pedidos de socorro, a minha língua. Ouvi, ponto. Hoje foi o dia da consumação do reconhecidamente escutado. 

Algo que me enchesse... na hora, não encheu, passou célere feito um colibri,  ventos daqueles que batem portas e se vão... algo que me completasse, que desenhasse o ponto final; eu pedi para ouvir, e ouvi. Não me encheu toda porque a vida é rápida demais e os ventos e os dedos de nossas mãos, e nossos pensamentos distraídos, despidos às vezes de preciosa concentração... Entrou em mim e ficou e repete delirantemente como se aquelas palavras fossem me deixando nua, da forma mais devagar possível, um despir em risos, lento, sim, porém, carregado nas entranhas de pressa contida. 

Alguém disse e eu ouvi. Quero ouvir novamente até o meu último suspiro, mesmo que seja a mais tola de qualquer realidade humana, a mais comum, a mais infantil. Ouvi, e não quero que batam carimbo de reconhecido por todos, pois, bastou em mim.

Tempos atrás, escrevi, "eu queria ouvir algo que me enchesse toda...". Ouvi. Mas, ao contrário, deixou-me nua em pelo, arrepiada na alma, acordada, para ouvir de novo, vazia, bem vazia, só para poder passar a ouvir sempre, num amanhã sem fim.


Por Suzana Guimarães


segunda-feira, 14 de outubro de 2013


(arte de Annabelle Verhoye)

O que dói no meu amor corta-me inteira. Mas esse corte de nada vale, se valesse, eu daria meu corpo para ser desfiado.

Suzana Guimarães


Nota: deve ter sido um comentário, pois não me lembro dessas frases em meus textos, mas a minha querida Thelma Ramalho leu, gostou e guardou. Agora, publicou em seu Blog dois e dois são cinco.



terça-feira, 8 de outubro de 2013

Poema da graça

(arquivo pessoal de Suzana Guimarães)


Sentada no meio-fio da crueza, você pensa que nada mais terá a capacidade de abrir o chão aos seus pés. O que possuía sentido desfigurou-se em mentira, deslize da razão; o que mostrava-se brilhante, era pó de ilusão. Você mira o chão e as formigas parecem bem melhores que você, porque, você, destituída de graça, nasceu com o dom de polir a pedra da fé, dada aos mais fortes, guerreiros que se devem cegar para alcançar a proeza de quebrar os ossos da resistência. O chão abre-se para lhe dizer que mais fundo será, embora sua crença inabalável tenha a chance da vitória. Entre você e o chão sem dono, formigas que se consideram únicas, a vida correndo no vento que leva velhas folhas, outrora verdes. 

Cabe a você, desgraçada graça, transformar folha seca em broto, polir à exaustão seu íntimo sagrado e juntar em si todas as quedas a fim de se construir a ponte entre o que se pode prever e aquilo que realmente se toca.


Por Suzana Guimarães


Nota: texto encontrado nos rascunhos, com data perdida. Provavelmente, escrito há dois ou três meses.