terça-feira, 3 de dezembro de 2013

CARTAS DE DEZEMBRO - a primeira


By Suzana Guimarães




Los Angeles, 3 de dezembro de 2013.



Querido, 


Saudades? Claro, nenhuma. Nem eu, infelizmente. 

Infelizmente porque eu queria tê-lo ainda, em meus delírios, em nossos tumultuados encontros... sua verve, coisa rara, coisa cara. 

Lembrei-me de você, sim, ainda me lembro, às vezes, pois algo vem no vento, e, hoje, tocou uma antiga música, enquanto eu dirigia. Mais tarde, encontrei o seu nome, em uma nota qualquer de jornal. Agora, é noite, e elas, as noites, sempre lhe traziam, mas isso não mais acontece. Eu o perdi, e você, a mim, sem ao menos termos tentado.

Escrevo para dizer-lhe que, enfim, concordo com suas palavras, em você, nada havia para modificar um átomo de mim, um centímetro de meus caminhos, um qualquer de toda a minha vida. A borbulha da bebida boa só acontecia quando estávamos juntos, mesmo quando nos arranhávamos. Os anos passaram-se e também a raiva que eu nutria por tudo o que parecia acontecer, e, então, decidi vigiá-lo, espreitar seus passos, seus roteiros, fui e voltei decepcionada até o mais fundo de mim. 

Vi um homem seco, vazio, sem graça, tristemente vago como o par de olhos amarelos que vi outro dia num gato pardo que cruzou a esquina à minha frente. 

Saí por aí, sei que você sabe, construindo castelos que se desmoronaram muito antes das ondas marítimas chegarem... sim, eu sei, você sabe porque me lê. Deve ter sorrido seu sorriso amarelo, com certeza, vingando-se de mim que só soube cortá-lo em tiras. Triste, quando você parecia enfim conhecer-me, tudo acabou...

Não fiz por mal, juro. Ainda sorrio por você, de manso, discretamente... contudo, reconheço, tudo foi loucura de uma alma que batia freneticamente numa porta fechada com severos lacres e a escuridão era muita, o suficiente para eu criá-lo na pouca luz que a modernidade nos deu. 

Esbarramos um no outro, assustados, pois sofríamos do mesmo mal, porém, de tempos em tempos, um ou outro fazia-se de ator e contracenava com os fantasmas que rondavam a claridade que nós, a muito custo, dividíamos. 

Escrevo apenas para reconhecer sua assertiva, razão da sua insistência em nos negar, e para você escrevo a primeira carta das muitas que escreverei em dezembro (e só você sabe a razão), num ato meu, egoísta e solitário, sem esperar por respostas. Rogo a Deus que você não escape por nenhuma fresta das portas que tranquei, penosamente, já que você foi um vento bom a arejar solitárias noites naquela distante Beirute. Lembra-se? Lembra, por favor, não quero que nenhum outro toma para si esta carta.

Desejo-lhe alguma renovação, algum motivo bom, um sinal, um aviso.

Na ponta dos pés, pegando-lhe no lábio inferior,


Suzana



Suzana Guimarães