quarta-feira, 23 de junho de 2010

CARTAS

                        Suzana C. Guimarães


Quando eu morrer,
Não me enviem
Cravos, flores
Rosas brancas.
Quando eu morrer,
Me enviem cartas.
Quero cartas
Em papéis de seda,
Papel rascunho,
Muitas folhas
Ou uma única.
Mas, prefiro as longas...
Me enviem cartas
De amor
Desabafo...
Irrefreadas candongas!
Que falem da última fornada de bolo
Sobre o filho que nasceu
O pai que morreu.
Me conte sobre as últimas músicas
Últimos livros, últimos poemas que sorveu
Me descreva a última viagem ou a primeira
Pois eu amo cartas.
Enviá-las ou recebê-las...
E tantas foram as cartas
Que li e reli,
Minhas ou alheias...
Rasgos de cartas,
Cartas quase que incendiadas
Cartas mofadas, esquecidas,
Renascidas em minhas leituras
Pelo simples amor
Que eu sempre dediquei a elas...
Sem maldade, sem culpa que me acuse.
O primeiro beijo,
Aquela noite inesquecível
Aquela madrugada insuportável.
Ou não conte nada,
Escreva um infinito de pontinhos
Entre palavras desconexas.
Me conte daquele abraço que pediu e
Do beijo que aproveitou para roubar!
Do sono que perdeu.
Me fale dos Réveillons em que preferiu dormir
Do Natal que não viu passar...
Choramingue o amor não correspondido
Que, para não se esquecer de quem já lhe esqueceu
Diz que comprou aquele disco
Que toca o dia todo feito vício.
Me escreva a mais simples verdade
Use melodia...
Ou as maiores mentiras.
Mas, cartas.
Não me envie rosas
Principalmente as brancas
Não as quero mais.
Morta, largo mão de tolas queixas,
Dos sonhos escorridos pelos vácuos
Morta, apenas cartas...
Iniciem com "Querida",
Terminem com sua ida.
Iniciem com meu nome
Ou aquele que você sonhou me chamar
Ou aquele que você me chamou em sonhos...
Morta,
Estarei sem mãos,
Rosas, não as poderei pegar.
Morta,
Abrirei os olhos tão eternamente fechados
Para minhas cartas alcançar.

10 comentários:

  1. Maravilhoso! Sempre fico sem palavras quando leio tuas poesias... Estou aqui toda emocionada... os olhos cheios de lágrimas depois de ler algo tão lindo.
    Sabe, eu nunca vi florir flores em caixão.

    BeijooO*

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  2. Bom dia, Valéria! Estou aqui neste exato momento lendo este texto que fiz ontem à noite. Foi a primeira vez que chorei ao ler algo meu. Parece que consegui abrir uma gaveta daquelas bem emperradas. Não sou hipócrita. Não vou usar falsas modéstias. Este texto me machucou mesmo.
    Obrigada por compartilhar comigo seus sentimentos.

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  3. Suzana, querida (permita-me assim falar),
    quando eu morrer, prometa-me, ainda que morta, algumas dessas cartas a mim remeter. Peço-lhe que selecione aquelas que me façam sorrir, morrer de rir ou chorar da emoção mais rasgada, ainda que a carta enuncie amorte anunciada, do amado ou da amada, que partiu, sem se despedir, sem pedir nada, ao menos, uma rasgada carta, sem selo de postagem, sem princesa ou carruagem, só uma carta...pra sonhar!!

    Seu texto é dos mais belos que já li. Impossível não seguir vc!!

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  4. Helcio,
    Você me emocionou mais ainda...hoje, estou "todo o sentimento".
    Obrigada pelo querida!
    Seja bem-vindo!

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  5. TODO O SENTIMENTO - CHICO BUARQUE

    "Preciso não dormir
    Até se consumar
    O tempo da gente.
    Preciso conduzir
    Um tempo de te amar,
    Te amando devagar e urgentemente.

    Pretendo descobrir
    No último momento
    Um tempo que refaz o que desfez,
    Que recolhe todo sentimento
    E bota no corpo uma outra vez.

    Prometo te querer
    Até o amor cair
    Doente, doente...
    Prefiro, então, partir
    A tempo de poder
    A gente se desvencilhar da gente.

    Depois de te perder,
    Te encontro, com certeza,
    Talvez num tempo da delicadeza,
    Onde não diremos nada;
    Nada aconteceu.
    Apenas seguirei
    Como encantado ao lado teu."

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  6. Já eu, quando do meu velório, apenas espero que ninguém diga que "a gente não é nada", nem "descansou" e nem "ele está com um expressão tão serena"! Se ninguém disser nada disso para mim já estará muito bom...!
    GK

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  7. Su querida (Se posso te chamar assim), quando eu morrer, eu tbm vou querer isso.

    Não tem muito o que comentar, pois esse seu texto me emocinou tanto, que as palavras se calam.

    Um abraço minha flor!

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  8. Querida Suzana,


    Que poema tão lindo, tanta poesia expressa por um desejo ardente de (comunicação da palavra escrita) receber cartas...


    Um abraço, Marluce

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  9. Lily, se a via em mim, agora não vejo mais.
    Com essas linhas suas, agora nossas, viajei aos amores esquecidos, aos reveilons cobertos de poeira, às coroas brancas desperdiçadas, às cartas que escrevi e enviei, e mesmo aquelas que mal escrevi e rasguei.

    E muito mais. Foi além. Foi muito, muito além desse mundo impessoal.

    Um beijo perfumado, com cheiro de papel molhado, daquelas cartas que a chuva encontrou ou daquelas outras, atingidas pela lágrima.

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  10. Carissima, não pude evitar debruçar-me sobre tua página nesse meio de tarde. Há pouco teci uma missiva para tua figura em meio a calma que me invade em meio ao descortinar do dia. Ainda há sol por aí e eu aqui a vasculhar a paisagem desse poema que parece uma resposta para todas as coisas escritas por mim há pouco. E por fim as palavras de Chico, deixadas por ti aqui. Sim, respirei fundo e voltei-me nem sei bem de onde, para estar aqui em meio aos versos que me remeteram lentamente para Mário (de Andrade) e Cecília (Meireles) e para ti. As rosas, brancas, sem graça, pálidas deixo para os que não sabem o valor das cores. As missivas (cartas) tem cor e textura, as rosas tem perfumes, mas estes adormecem tal e qual a vida. rs
    bacio
    Lu

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