sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Só os fortes têm coragem de desistir.


(arquivo pessoal de SCG)

Segundo o dicionário, desistir significa: “Renunciar; não prosseguir em um intento, abrir mão voluntariamente de (algo); abster-se, abdicar e também deixar de estar ligado a (alguém).”

A primeira vez em que renunciei conscientemente foi quando eu tinha menos de vinte anos e renunciei a um namoro que agradava a todos, menos a mim. Lembro-me bem da cara de espanto da minha família (ele fez questão de contar antes) e da minha estranha sensação de inadequada e errada. Ninguém me obrigou àquele namoro. Na realidade, foi tudo planejado porque eu queria estar igual a todos os meus amigos, isto é, namorando, e só.

Fui olhada como a um animal raro, excêntrico e mau. 

Meses depois, meu pai, que nunca havia se pronunciado sobre, enquanto todos almoçavam, disse, “Parabéns por ter terminado aquele namoro. Aquele sujeito é muito burro”.

Poucas vezes, eu renunciei. Não é fácil renunciar e isso significa abrir mão de algo ou alguém importante para você.

Até escrever sobre é difícil, pois tenho que renunciar ao desejo de agradar.

Eu já renunciei à profissão sonhada, ao meu país... Renunciar ao país significa deixar para trás, sem ânimo de retorno, a língua, a comida, a família, os amigos, alguns costumes, os títulos, os anos de caminhada – o conhecer; significa cortar as relações sociais e profissionais (nenhuma rede social consegue suprir isso; nem mesmo a antiga e velha carta). 

Renunciar à profissão pode ser faca cortando para sempre, devagar, serra cega. 

Desde sempre, eu ouvi dizer que só os fracos desistem; que quem é forte teima e consegue e ganha a taça da vitória. Aos fracos ficam as desistências...

Pois eu, sem pestanejar, digo que estou renunciando. Serei maldosa e não direi ao quê renuncio. Direi apenas o que sinto: já não me importam a flor singela que nasce entre as frestas do concreto, nem o vento que traz notícias; não me importam mais todos os sinais. Eu não me atrevo mais, pego o que incomoda e sufoco até a morte, e escondo qualquer sinal disso ter feito. Parecerei alheia, sublime, altiva e esperançosa. Parecerei. Com o passar do tempo, acostuma-se.

Renunciar é encarar o rosto do outro balançando-se negativamente. É se sentir um perdedor, é ser o perdedor! Renunciar porque escolheu outro caminho não é renúncia. Renunciar – aquele que faz doer - , para mim, é dispensar, descartar, desistir para sempre. Se é desistência para retomar após um ano ou mais é tanta coisa... é leviandade, preguiça, redirecionamento, esperteza, burrice, maluquice, jogo, ardil, ou simplesmente, desejo de aventurar-se.

Eu falo de desistir para nunca mais, mesmo que doa, que se lembre para sempre. É estar diante da pessoa que você amou e que morre. É fim. 

Não tenham pena de mim porque eu não estou perdida. Nem triste. Eu apenas vejo pacificamente meu reflexo na poça d`água, quando passo, em direção às minhas opções, em frente ao mundo que contemplo; sabendo que tudo tem seu tempo de ser e não ser, até a singela flor por entre os buracos da calçada. Vou ao templo e a ele confio em pensamento as fases boas e más, a vontade de continuar e a de dar um basta. Não tenho que ser nada do que esperam de mim. Tenho direito à renúncia, ao não, mesmo que isso signifique sofrer mais tarde, pois sofrer é sempre, é antes, durante e depois do simples começar a existir. 

Para mim, aos fracos ficam a persistência improdutiva e enganosa. Ficam o desgaste físico e mental. A cobrança em frente ao espelho. A vontade de gritar e não poder. Aos fracos fica a segurança falsa porque, na maioria das vezes, aquilo a que se renuncia já estava encaminhado para assim ser . Aos fortes, fica a certeza de que chorar, perder, cair e nunca mais retornar é sinal de humanidade. 



Suzana Guimarães


P.S.: não era isso o tudo que eu queria dizer. Eu queria falar do silêncio ao redor e dentro.


_texto editado em 15/11/2016.