terça-feira, 24 de agosto de 2010

ELA, NA CADEIRA DE BRAÇOS LONGOS

Fotografia, por SCG




Suzana C. Guimarães

Toda noite, ela se recostava na cadeira de braços longos. Toda noite. Era hábito. E todas as noites eram normais, terça-feira qualquer. Mas, depois, tudo para ela ficou feito acidente cerebral - não, ela não adoeceu. A memória apenas não mais lhe arde os olhos, a memória recente. O que lhe arde é a lembrança antiga. A primeira briga, não, briga é palavra forte, nunca houve na vida dela violência física. A lembrança antiga é a do primeiro desentendimento, quando ela descobriu que as águas do lago não eram tão lisas, espelháveis.

Toda noite, ela se recosta na cadeira de braços longos e quando a cabeça encosta na almofada, a primeira ofensa volta, apenas a primeira. Virou hábito. E todas as noites deixaram de ser normais, terça-feira eterna. Ela fecha os olhos para descansar e sente...

o vestido novo, todo bordado à mão, sua irmã mais velha, com tesoura em mãos, retalha tudo. E o deixa arrumado, feito brinquedo de montar já montado em cima da cama.

o bolo de casamento, todo branco de glacê, que vai ao chão.

bebês que morrem ao nascer, viagem que não se cumpre, beijo negado.

decepção.

impotência.

Toda noite, ela se recosta e sente e aceita. Talvez, aceitando, recebendo a tristeza, ela se familiarize com a visão daquelas águas em turbulência.

O professor ensinou e ela não se esqueceu: "senta atrás dele, fique bem próxima, veja todos os dias, as caspas que caem em suas costas, as unhas grandes, o dedo no nariz."

Mas é noite, é toda noite, é toda terça-feira eterna, e na cadeira de braços longos só cabe um, só cabe ela. Ela e a lembrança, a primeira.

17 comentários:

  1. Emocionante... faz a gente lembrar de todas as "elas" que temos ou tivemos em casa... lembrando das mesmas coisas, esquecendo o agora, enquanto a vida se esquece delas...
    Beijos, Lilly.

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  2. Nao sei dizer o porque mas de noite meu espirito voa sabe... Durante o dia quase nao tenho sentimentos, parece. Mas quando chega a noite viro o oposto do que fui no dia, rs.. vai explicar né?! Beijao querida

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  3. Ops! Essa publicação deveria ter sido feita no "Contos de Lily".

    Trata-se de ficção, apesar de que se encaixa perfeitamente na minha vida e na vida de tanta gente... Mas, a história é da Lily e não da Suzana.

    P.S.: a menina ficou brava comigo, por isso estou aqui fazendo essa retificação.

    Suzana

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  4. Lily está me irritando!

    Ela pediu delicadamente para eu deixar explicado que, a história dela está escrita no texto LILY INVADE, postado no mês de julho.

    Beijos!

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  5. Nem sempre aceitamos que as outrora águas "lisas, espelháveis" se transformem em "águas em turbulência." Só que, enquanto uns partem para outra, outros barricam-se no ponto de partida.

    Beijo :)

    (Pode usar o tal poema, esteja à vontade...)

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  6. Toda noite, ela se recostava na cadeira de braços longos.

    E as lembranças apareciam...

    Umas a gente esquece, outras não.

    Sabe o que eu ando fazendo com as minhas?
    (pelo menos as más lembranças?)

    Queimo tudoooooo. Pego as cinzas e jogo no mar.

    A onda leva...a vida leva. E tudo prossegue!

    Te abraço forteeeeeeeeee!

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  7. kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk Suzanaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa você é óóóóótimaaaaaaaaa quando bebe hehehehehehe.

    Candor, amorrrrr, peixe na panela kkkkkkkkkk

    Tu fica leveeeeeeee (se eu tomar umas 3 e postar aqui não me responsabilizo por mim kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk).

    Eu te gosto COM ou SEM cerveja kkkkkkkkkkkkk!

    Voce é óóóótimaaaaaaaaaaaa Su!!!

    Meu beijooooooooooooooooooooooooo de bom diaaaaaaaaaaa. E vamo que vamo, que a vida grita!

    Vou ver o site!

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  8. Toda noite, no meu peito, raízes prenhas de silêncios que se alastram, são as lembranças.

    BeijooO*

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  9. Li e gostei.
    A vida é feita de lembranças, e é muito bom te-las, porque boas ou ruins, nos fazem sentir vivos!

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  10. Passei pra deixar-te um beijo e dizer que tem um mimo em forma de selo lá no blog pra ti.
    :)

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  11. Olá Lily: adorei sabes a nossa vida e feita de memórias ou lembranças da nossa vida passada sejam essas memórios boas ou más, tudo fica dentro de nós.
    Beijinhos
    Santa Cruz

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  12. Oi Suzana,
    Lily se sentiu invadida porque a mãe revelou o seu segredo
    Revelou segredos de seu caderninho mais intimo.
    Lily já percebe que o mundo não é feito só de confeitos, chocolate, mel.
    Seu olhar, sempre luminoso, transparente, agora se turva.
    Ela tenta entender esse turbilhão de novos sentimentos.
    Ela tenta digeri-los, entende-los, organizá-los.
    Percebe que um mundo novo se descortina.
    Mas Lily só tem uma certeza...
    Lily não quer crescer.
    bjo

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  13. Fique totalmente a vontade pra quebrar as regras, tem coisa melhor que isso? rsrs
    Pra mim, o que realmente importa é que tu sinta aí através desses mimos o carinho que aqui está crescendo por ti.
    Beijo no coração

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  14. Interessante isto...cabe a Lily e a Susana...na verdade cabe um pouquinho em cada um de nós....mas...tenho um lema:O que não me MATA...me FORTALECE...

    beijos em seu coração!

    Bia

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  15. Suzana, li a historia e li o post do nascimento de Lily...
    Como sempre, e cmo diria Clarice Lispector, me reencarno em suas escritas.
    As vezes, acho q entendo. Outras, acho q nao. Outras ainda, acho q acho q entendo... e outras tantas nao entendo e nem procuro entender, apenas sinto.

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  16. Ah tem selinho pra este outro Blog também..

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  17. Ameeei:
    "Toda noite, ela se recosta na cadeira de braços longos e quando a cabeça encosta na almofada, a primeira ofensa volta, apenas a primeira. Virou hábito. E todas as noites deixaram de ser normais, terça-feira eterna..."

    Muito lindo *-*

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