sexta-feira, 20 de agosto de 2010

MEU TIO MORREU DE AMOR


   
(fotografia, por SCG)
                                                                  


Meu tio morreu de amor. Eu não quero morrer de amor, mas quero morrer amando. Amo mais o amor que o amado. Amados são vários, passam. O amor é que me faz leve, tranquila ou sobressaltada. É ele que justifica eu tão abstraída, parada num trânsito caótico, esperando ser atendida pelo médico, numa viagem longa que não termina nunca. O amor me faz permanecer na fila de um banco o tempo que for, sem nem perceber. É ele que me distrai quando estou no supermercado, fazendo compras, lavando o carro, limpando a casa. É ele que me faz aturar aquela festa chata, aquela gente chata. O amor tira os meus pés do chão. Há quem tenha medo dele, eu não. Nem um pouco. Há quem diga que amar faz ferida, deixa cicatriz, mágoas, mágoas... pode até ser. Mas há tanta coisa nesta vida que faz o mesmo em nós e nem por isso ficamos nos esquivando delas, pois esquivar do amor é dar as costas para a existência. E a relatividade das coisas? Existe. Um mês para mim de férias, quer seja numa linda cidade praiana ou com neve, exausta-me, cansa, passo a pensar na minha cama, no meu quarto, minha mesa, minha cozinha. Tudo na vida faz bem e faz mal. A mesmice cansa, o mesmo gosto, entedia. O amor não se exclui de nada, balança-se também na relatividade das coisas. Hoje, muito bom, amanhã não.

O bom é o gosto do amor. É você tomando refrigerante num dia quente e abafado. É você saboreando um pedaço de chocolate, em um canto bem escondido da sua casa, para não ter que oferecer - ou o pior, dar - um pedaço para alguém. É quando você mergulha fundo na piscina e sai, lá do outro lado, e respira. O seu amor é seu. Bom, o meu amor é meu e a ninguém devo satisfação. Creio que nem Deus quer saber, nem Deus quer que eu me explique sobre o gosto que sinto.

Se o amado vem por um ou dois dias apenas, se não vem; se ele me traiu, se ele me abandonou ou nunca quis saber de mim, problema meu também. Sou eu quem tem a obrigação de saber lidar com isso. Sou eu quem tem que alargar a visão, esticar o pescoço e olhar em volta. Já chorei muito por amados, mas, na maioria das vezes, veio outro, claro como um dia, e desviou a minha atenção. Enquanto o amado feio não me queria, outro enlaçava-me e carregava-me nos braços. Então, para mim, pouco importa a duração do amor, ou o tamanho dele. O que importa é que, um dia - eu sei que às vezes demora - irei me lembrar daquilo que vivi e pensar que bom que vivi. O que não quero é passar a vida na secura dos meus gostos e dos meus pensamentos. Quero matéria para aguardar sentada e quieta à uma consulta numa sala de espera. Eu quero ótimas razões para tirar e colocar o carro da garagem vinte vezes ao dia, naqueles dias quentes, cansativos, chatos.

Quero o devaneio a que o amor nos leva. Sou eterna apaixonada dele, do amor.

Quando falo de amor, não estou falando de sexo. Sexo pode ser uma consequência dele ou não. Sexo para mim é uma ótima forma de relaxamento. Amor e sexo não são palavras sinônimas. O sexo é igual ao amor que pode acontecer quando você menos espera. O sexo também traz a leveza e pode, inclusive, trazer um amor daqueles que a gente não vai esquecer nunca. Mas, o sexo dura o tempo dele e só. Quando termina, você ainda fica um tempo sentindo lassidão, toques, arrepios tardios, mas tudo se vai rápido. Você se levanta para cuidar da vida ou dorme. Bem fazem os orientais que preferem estender ao máximo as preliminares. É melhor mesmo, gastar tempo e energia nesse momento, pois após o gozo, você acorda. Acorda e se sente realizado, sai deslizando atrás de comida na geladeira - se não for dormir ou cuidar da vida. Mas pode ser que acorde também e se lembre que deixou algo em casa e precisa ir buscá-lo. Nem sempre o sexo pode acabar bem. Aí, nesse ponto, ele também se parece com o amor pelo amado. Mas, amor você curte sozinho, saboreia o refrigerante na sua mais plena forma, você, um ser único, individual, um ser um, mesmo que em lágrimas. O sexo não lhe traz isso, você tem que fazer mais sexo, senão você acaba por esquecê-lo (conheci muitas pessoas que já nem se lembram mais do que se trata). Você pode carregar o desejo pelas ruas afora, ir ao banco com ele, assinar contratos com ele, mas você carrega não o sexo em si, você carrega a vontade de fazê-lo e imagina preliminares, imagina-se rolando nas brasas do fogo. Os bons desfechos não vêm garantidos.

O amor pelo amado também não garante nada. Mas o amor, sim. Eu não quero morrer feito o meu tio, mas da mesma forma que muita gente precisa do sexo - inclusive eu - para sentir areias se revirando ou aviões decolando e aterrisando dentro de suas barrigas, eu preciso do amor para alimentar a minha alma. Ele me garante que estou viva, que sou um ser que brilha e não uma nuvem no céu, daquelas insignificantes que nem medo e nem chuva fazem.

Por Suzana Guimarães