quinta-feira, 26 de agosto de 2010

TIRAR A PELE

fotografia, por SCG


Tirar a pele não é feito tirar a pele de quando se bronzeia muito e descasca. Tirar a pele é entrar no curtume, fechar a porta, esquecer onde pôs a chave e ficar. Primeiro, procura um espelho, que seja o do banheiro minúsculo do fundo da casa. Para e olha para ele pelo tempo que precisar. Não procure as belezas que você tanto conhece. Caça os defeitos. Abra bem os olhos. Eles estarão lá dentro de você. Esse é o primeiro passo para você ter certeza de que a pele que será arrancada é a tua mesma.

Depois, pega sal e se esfrega. Esfrega-se todo para descarregar a alma e protegê-la de si mesmo. 

Não pense que o processo cheirará a magnólias. No curtume só há fedor. Não é fácil arrancar a pele. Não é fácil tentar ser outro. Talvez, você consiga, talvez não. Mas ninguém, nem você se esquecerá de que você tentou, você entrou no curtume, fechou a porta e se esqueceu por um longo tempo de lá sair.

Retirando a pele, esqueça-se de você, larga mão, despreza-se. Vá puxando a pele que dói e pensa nos outros. Você só conseguirá arrancar toda a pele velha, arrancar teu mundo velho, se você conseguir enxergar o outro. O outro é o mestre, é o guia, a estrela, teu carrasco, tua brisa, tua guerra, teu repouso. O outro poderá lhe mostrar o caminho. Ou não. Mas, não se preocupe, o mundo está cheio de outros. O mundo é cheio de tudo, mas você precisa encontrar o outro no vazio que o mundo lhe entrega. Não se sinta o único e nem o primeiro. Você é mais um.

Depois de um certo tempo, quando se sentir mais leve, sem toda aquela pele, procura a chave - ela estará na sua mão, você apenas se esqueceu dela - abra a porta e saia.

Se, amanhã, precisar, volta lá. Repita o processo até o dia em que nem mais pensará no assunto, por muito ocupado em que estará, fazendo o(s) outro(s) feliz(es).


P.S.: O fedor não é de todo ruim, durante o processo, mas procura não se acostumar com ele. Não pense que são magnólias.


Por Suzana Guimarães