sábado, 2 de fevereiro de 2013

"(...) ser uma espécie qualquer de ave." UMA CARTA

 
 
 
 
 
Los Angeles, fevereiro 2, 2013.
 
 
Querido,
 
Você escreveu "ser uma espécie qualquer de ave". E a frase colou em mim, andou comigo por aí, tantas coisas para fazer, nesta terra onde tudo é muito longe e demorado... há tempos, venho percebendo bandos de aves que me sobrevoam, justo quando passo, de carro, em diferentes lugares, em diferentes horas. Percebo também que pessoas na rua também olham para o céu e observam o bailado, assim como eu.
 
Parece promessa cumprida. Parece aviso. Ando tão surda, muda e cega que não traduzo bem, não sei o que querem dizer, o que querem me dizer. Eu, que tanto quis sair de meu próprio peito e voar por aí, livre, desapegada, em bando ou de forma solitária, assim como a águia, assim como o pássaro verde que vi, ontem, escondido debaixo de uma folha de palmeira.
 
Eu, que decidi colher ramos de flores para enfeitar a minha solitária casa, eu, que acendi inúmeras velas, pequeninas velas, redondas, brancas, e, que acesas, lembram-me um antigo chalé, uma antiga pessoa, tão conhecida minha... que dispensei campos de morangos, a fome, a sede, o passo, o som de piano, os meus amores, a minha terra, quente e molhada, difícil, esburacada, um mastro com bandeira linda que tenta se manter em pé, firme, aplaudido...
 
Eu, que agora dispenso murmúrios de anjos, que rasgo o mapa e rio das profecias... neste mundo ora chato, ora cruel, uma saga infinita por não sei o quê... estou aqui, a pensar em pássaros voando, em capela, na vida de uma escritora do passado, nem um pouco reconhecida, numa fuga a dois, porém, separados, numa casa que se fechou para sempre, por ninguém, para nada...
 
Eu, e meus sonhos reincidentes que agora se tornaram cansaço constante no meu corpo desejoso de sossego, de descanso, de música ao longe... sonhos reticentes, onde toda a minha vida passa, filme chato, sem cronologia, sem roteiro, apenas um embaralhamento de ideias, e que me fazem acordar sem saber em qual dos meus antigos endereços estou, nunca no atual, perdida, sem saber se depois da quinta-feira é segunda-feira, sem saber se deixei alguém para trás...
 
Alguém chega e diz uma frase qualquer, não, uma linda frase, e leva você para aquele lugar onde você deixou tua blusa de frio, teu diário ou mesmo a merendeira com cheiro de chocolate da infância.
 
Querido, presta atenção no que você me diz ou escreve, pois eu tenho medo.
 
Beijos,
 
 
Por Suzana Guimarães