quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

CINZA VIVA

Suzana Guimarães, By Hilário


Primeiro, ele fechou e abriu os olhos, cortina em veludo bordô, quase negro, num quase mês de fevereiro, como se desse início à mais uma peça teatral, numa noite invernal, numa vida cansada, esgotada de tanto sonhar. Depois, quando era dia, e nada mais parecia ter sustentabilidade, tudo muito efêmero, tudo muito frágil, mundinho de fino vidro, ele calou as palavras na ponta do carvão.

Riscou a boca que poderia ter sido todos os lábios que selou, a curva da sobrancelha, abriu o vestido dela, para ver o que se escondia, e com o que viu, preencheu os olhos. Perdeu-se nos cabelos, como se perderia em águas noturnas, soturnas. Dispensou o toque, a pele, a promessa. Valeu-se do vão da vida, das pequenas aberturas que a vida dá, quando não importa muito em que continente se está, se é América, se é Sibéria, se é quimera.

Com o carvão queimado de seus sonhos, fez da mulher, cinza viva.

Por Suzana Guimarães