segunda-feira, 12 de setembro de 2011

UMA CARTA PARA LUNNA GUEDES

                                                                            

(fotografia, por SCG)



                                       Long Beach, 12 de setembro de 2011

                                              

                                                  Querida Lunna,

Antes que o dia acabe, que a dor que sinto na alma me paralise, antes que você me diga que setembro já se foi... Antes que eu esqueça que devo continuar e não mais recomeçar (lembra-se da minha longa e demorada viagem? Aprendi que continuar é melhor). Antes que a tempestade que se agita dentro de ti leve-a para longe de mim (mais do que já é)...

Peguemos o caminho já começado, um setembro pelo meio. Gosto de metades. Já escrevi sobre isso, gosto da laranja, mas só metade, gosto de dormir na metade da cama, por mais que ela seja enorme e eu esteja só. Gosto de meia-luz, gosto de meio caminho andado. Mas, odeio meias palavras. Gosto da palavra inteira, mesmo que seja um engodo.

Querida, passei os últimos meses arrumando e desarrumando malas. No final, carreguei oito na volta para casa. Eu trouxe livros, bandejas, toalhas de mesa ricamente bordadas... sim, esvaziei caixas e catei coisas para trazer para cá, assim como você, vou deixando pedaços de mim pelo caminho. Quando saí do aeroporto de Los Angeles, e caminhei em direção a um carro bem grande que me traria até aqui, senti o vento da terra adotada beijando minha face, brincando com meus cabelos. Senti fino frio passando entre braços e pernas, lembrando-me que aqui é que é o meu lugar.

Abri a porta do meu apartamento e um cheiro de Suzana antiga sorriu pra mim. Tudo quieto, carregando saudade, o vazio da minha presença pela casa, às vezes esfuziante, às vezes meditabunda. Estranhei tudo. Dois meses e meio fora de casa e a Suzana nova olhou espantada para a antiga, sentada num canto do sofá, esperando-me.

Enfileirei as malas no corredor de entrada. Coloridas malas, pretas, vermelhas e alaranjadas, resistentes. Abri uma delas e peguei um tapete de couro de boi, no formato natural. Preto e branco. Meu quarto é preto e branco. Às vezes, um pontinho de cor para quebrar o tom, um quarto aconchegante, porém. E eu que pensava que quartos dessa cor seriam frios demais, sem aconchego, mas é justamente o contrário. Mas pensar errado é o que mais faço... Estendi o tapete sobre o chão, ao lado da metade da cama que ocupo. Minha filha se pôs a pular em cima dele, fazendo giros, rolando, esfregando-se toda, satisfeita pelo contato. Ah, minha amiga, sei tão pouco de ti! Se me disser 'coitado do bicho', eu lhe respondo que sinto muito, mas minhas botas e meus sapatos também são de couro e também algumas bolsas.

O tapete é o símbolo da minha viagem. Misto de dor e prazer. Algo que irei lhe contando, com o passar do tempo, com o passar da minha dor.

                                          Beijos,


                                          Suzana Guimarães


Nota ao leitor: as cartas trocadas com a Lunna serão publicadas, no futuro, em livro. Mas, serão pouquíssimas as publicadas aqui no Blog.