sexta-feira, 23 de setembro de 2011

SOU DO BRASIL

(fotografia, por SCG)


Há uma pequena bandeira no vidro do meu carro...
Dentro de mim, um país em forma de coração, verde, gigante.

Há em mim a bunda redonda, o andar gingado, de balanço inigualável. Há o riso solto, ora inocente, ora maldoso e o olhar atento, manhoso, malandro, perigoso. Há cheiro de chuva tropical, inundação. Há o silêncio das mangueiras, das jabuticabeiras. Cheiro de cigarro de palha, de água de bica, pingando, avisando... sou premonição.

Há uma pequena bandeira no vidro do meu carro...

Dentro de mim há montanhas. Silêncio e nostalgia, aviso de não ultrapasse, não se aproxime, há cheiro de clausura no ar, claustrofobia. Mistério. Sou gente de uma gente calada, que, quando fala, é pra confundir. Sou gente de uma gente que come pela borda, ao redor. Sou da terra do ouro, das pedras ricas, da pedra-sabão.

Sou de uma terra queimada, bacias de frutas à venda, no caminho, nos montes que só sobem, só sobem. Paredes caiadas. Calor, calor, calor. Ruas estreitas, labirintos, calçadas de extrema beleza, porém largadas, deixadas. Uma terra de meninas deixadas, compradas, abusadas. Uma terra de milagres, também. Terra das mães e pais de santos, terra da encruzilhada florida. Terra do saci, do muro alto, da cerca elétrica, do passo em falso, do bom gosto de Deus.

Sou o contra-ponto, sou a cara da minha terra. Sou alegria, sou introspecção quando a chuva cai, sou cachoeira escondida, trilhas verdes, águas mornas, enchentes que devastam, aclives que desabam, sou quarta-feira de cinzas, sou samba que canta tristeza.

Há uma pequena bandeira no vidro do meu carro...

Fora de mim, o rastro de muitas vidas, as histórias, lampiões, fome, a boiada dispersa no pasto, o boiadeiro pitando um cigarro, pensando na farra da noite, do boi, da zona boêmia...

Sou da terra grande que esconde becos, amantes famosos e uma gente que tem a dança no pé, feito sapato. Sou da terra dos meus pais, vô e bisavô, sou da terra dos nomes compridos, dobrando esquinas, das ruas de pedras pontudas. Sou ilusão, sou brilhantina de carnaval.

Filha de gente esquentada, que cozinha em fogão à lenha, que mastiga biscoito seco pra passar a raiva. Sou índia, sou branca, sou atrevida, sou de briga, sou filha de todos os santos, sou do Brasil.


Por Suzana Guimarães