domingo, 11 de junho de 2017

A crônica que eu nunca lhe escrevi.



A garçonete perguntou-me como eu queria os ovos, em inglês, claro, moro na América do Norte. Apesar dos oito anos de residência, diga-se com muito pouco uso da língua, eu nunca me prendi a essa pergunta, nunca teve importância; eu repetia o que os outros diziam porque pouco sempre me importou como seriam os ovos. Mas, hoje, eu quis saber os nomes e deliciei-me com um deles, "sunny side up", oh, frase mais linda! Expressão das mais belas para um ou dois ovos fritos! E eu prontamente, "I like that, sunny side up, it is so pretty!". ​
Diante de mim, eles brilharam, lindos, lindos... eu pensei em um garfo, uma bela boca, em dois seios e essa boca neles...

Pensei em você.

Daí, essa crônica. Mas, estou na rede. Você não sabe, mas hoje tenho rede em casa e nela posso balançar-me e pouco importa, também, tal qual o jeito de cozinhar os ovos, pouco importa em qual dia da semana estou, ​quantas horas são... e você perguntaria - ou outra pessoa qualquer perguntaria - , por quê? Porque eu posso. Essa é a resposta, porque eu posso. Eu posso porque paguei o preço que você não pagou para estar aqui, balançando-se nessa rede...

​Mas essa crônica não é para mim, é presente meu para você. Por quê? Porque você pagou um preço para tê-la e ei-la, sua.

Essa crônica é para dizer de ovos ou de rede? De belas expressões? Não. Eu queria mesmo era falar de um livro que li em duas épocas diferentes da minha vida, aos 16 anos, e nada entendi, e aos 30, quando tudo fez sentido. "Não apresse o rio (ele corre sozinho)". A autora? Barry Stevens. 

Lava os pratos, cara, lava, e não pensa em mais nada a não ser neles sendo lavados por você. Suas mãos pegam o vidro de detergente, pegam a bucha e os pratos são ensaboados, tranquilamente e em perfeita concentração. Isso! Você já sabe! Só falta repetir, fazer disso um hábito!

Lava os pratos e isso é tudo. O resto não existe. O resto, mesmo que seja o resto da vizinha, não lhe pertence, portanto, é sua ilusão, é a ideia que você criou e amou; lembra-se de quando você era um tolo e amava ideias? ​Pois, a única realidade é você, o prato, a bucha e o sabão, ah, a água - não me lembra dela, ficou promessa.

Mas eu já sei lavar pratos há vidas, e não fixo meus olhos em pratos. Eu pego o caminho e nele caminho. Nem no caminho eu me fixo, eu pego e faço. Ou não faço. Como agora. Melhor essa rede. Esse balançar. Está frio, tenho uma coberta e um sorriso. 

Apesar de que já sonhei de olhos abertos, peguei aviões de olhos abertos, caminhei de olhos abertos, esperei de olhos abertos e caí em prantos, claro, de olhos abertos... mas isso faz parte. 

O que faz parte, não se rejeita, acolhe-se. Então, eu peguei o garfo e equilibrei ora um ovo, ora outro, e os enfiei na boca. Fechei bem lacrada boca e comi os ovos.

E você se questiona: bebeu muito? Talvez, talvez, tenha misturado drogas lícitas e ilícitas, tomei algumas Mimosas, mistura de champagne com laranja ou manga ou com o que você desejar. Contudo, apesar do tempo ligeiro e da minha indolência nessa rede a balançar, saiba que o melhor do ovo na boca é levá-lo a ela, guarda isso, é como lavar o prato, a água escorre, desce por seus dedos, você pode inclusive se abaixar ligeiramente e abocar - abocar, amei! - você pode abocar essa água e morrer ali mesmo na beira da pia, na esquina do mundo, na ideia morta. 

Eu disse que escreveria palavras de amor. Ei-las. Bebe!




Por Suzana Guimarães