sábado, 20 de abril de 2013

Eu preciso escrever uma carta.

By Man Ray 
 
 
Eu preciso escrever uma carta. Eu preciso escrever uma carta e isso sempre foi muito fácil para mim, mas, hoje, não. Estou desfocada da realidade ou absurdamente dentro dela, enquanto rolo as páginas do Google, vendo a vida, a morte e a loucura humana. Estou assim há tempos, de forma escondida, para não deixar transparecer o que tenho mais de real, um certo escapismo. Então, por consequência, não estou em lugar nenhum. Tenho vida ativa e ela corre, corre muito e eu me perco nas datas, e me vejo questionando meu colega ao lado, "hoje?, que dia é hoje?", e ele, com a cara pasma, responde: "hoje é segunda-feira e você não veio foi na quarta-feira passada, na sexta, você veio". Contudo, a loucura da realidade humana empurra-me para dentro, para a divagação, e eu me vejo, admirando, pelo lado de fora, as cortinas que cerram as duas enormes portas de vidro da minha casa. Do lado de fora, questiono-me o que se passa dentro, o mistério, a razão delas, as cortinas, estarem sempre em desalinho, e, às vezes, posso ver um pedaço de tapete, a luz acesa do abajur... como se tudo fosse desconhecido, mas não é, é meu.
 
Eu preciso escrever uma carta, mas como? Eu queria estar em todos aqueles lugares, invisível presença, porque eu queria estar bem próxima de alguns e o que mais me deixa atônita é saber que não estou fazendo distinções entre o bom e o mau, nesse meu querer. Eu queria correr até lá, e gritar bastante e dizer que tudo é enorme absurdo e que somos apenas adubo e nem sempre podemos dar belas flores, eu diria, sim, para aquele belo homem, tudo aquilo que ele recusou diante do espelho. E o espelho é ele. E o espelho é o outro ao lado dele. E o espelho sou eu.
 
Eu preciso escrever uma carta, mas eu quero mesmo é rir, desmanchar-me de rir pelas tolices dos plantonistas das verdades. Tem gente por aí só esperando o momento de lançar suas verdades, aos céus, aos léus, mesmo que não caiam em solo algum, mesmo que jamais façam brotar sequer um botão de flor. O que eu sei sobre a verdade? Nada. Tão pouco ele, tão pouco o que vive ou morre em dor dilacerante e nem o que mata. Não sabemos de nada neste solo de cultivos, somos simples sementes, pó, pólen, metragem de pele a secar, ossada quase eterna, almas embaralhadas em cartas dispersas sobre a mesa do enigma.
 
Eu preciso escrever uma carta, mas meu destinatário se foi na madrugada passada, entre duas esquinas, no barulho eterno das guerras humanas.
 
 
 
Por Suzana Guimarães