segunda-feira, 5 de março de 2012

QUERIDA EMILY (um ordinal: primeiro)

(fotografia, por SCG)




Querida Emily,

Perdoe-me, não aprendi tua língua, não consegui quebrar a pedra, transpor o muro, somente para estar frente a frente com você. Desculpe-me. O medo é uma figura de transfiguração e dele sei tudo, mas eu queria era saber de ti.

Limitei-me em cordas frágeis, mas fortes o suficiente para me manterem longe de ti, do passo que eu daria, do abraço que eu alcançaria, do melhor que de mim eu poderia extrair. Perdi-me em meus próprios corredores.

Mas, a menina da grande estrela me olha dentro a fora, precisa, exigente, por pouco não me sacode. Ela diz "sunny day", ela disse isso hoje, e também, ontem. Ao varar os meus olhos, alheia às minhas dores e queixas, sabendo-se apenas de si própria, diz que penteia meus cabelos, enquanto os penteia; diz que os enfeita com flores, enquanto faz guirlandas em torno de minhas orelhas. Ela roda na saia rosa, embaixo de um Sol de inverno, e você mal consegue se fixar nela, pois o gramado é bem mais extenso que qualquer teoria. Ela colhe flores, as mais lindas e diz me cuidar, e meu corpo estático decora-se, ela assombra a morte de mim.



Querida Emily,

Faz silêncio lá fora. É noite. Deitada em minha cama, vejo as frestas iluminadas. Passam sem esforço pelos filetes abertos da porta e na veneziana fazem festa de luz, quando os carros passam com seus faróis. Ainda há claridade, mesmo dentro deste escuro em que estou.



Querida Emily,

Silenciar um grito ou dois dentro do peito incomoda, e eu imagino todos os que você abafa, com teus dedos longos, com tua beleza que estonteia o diabo que lhe assombra nas madrugadas frias. Eu queria lhe dizer que o inverno é muitas vezes rigoroso para todos em determinado ponto do caminho, e que dói pensar sobre ou falar, mas ele pode um dia virar fotografia, apenas lembrança.

Eu peguei o meu grito, embalei-o carinhosamente, cantei para ele, escrevi versos, olhei para ele pedindo calma, mas ele foi mais forte, arvorou-se de mim, emudeceu minhas vontades, todas... e, ao fazê-lo, calou meu canto, secou minha voz, fez de minhas palavras um punhado de tosse. Deu-me febre, dor no peito e uma queimadura que parece eterna no fundo da garganta, lá, onde nem o médico alcança a vista.

Suzana Guimarães