segunda-feira, 25 de outubro de 2010

INFORMAÇÕES TÉCNICAS OU PSIQUIÁTRICAS



Você, certa vez, pediu literatura a respeito de transtornos de ansiedade, pânico e fobias. Decidi enviar um resumo do que li ao longo de dez anos. No final, passo as fontes, caso queira se aprofundar mais na matéria.

O diagnóstico, classificação e tratamento dos quadros ansiosos passaram por uma enorme transformação após a publicação do Manual Diagnóstico e Estatístico, 3º versão (DSMIII) da Associação Psiquiátrica Americana em 1980.

Os conceitos e os tratamentos dos distúrbios de ansiedade, que compreendem cinco perturbações mentais distintas - síndrome do pânico, fobias (incluindo agorafobia, fobias simples e fobia social), distúrbio obsessivo-compulsivo, stress pós traumático e distúrbio de ansiedade generalizada - passaram a ser vistos não mais como fenômenos oriundos de conflitos e experiências inconscientes, mas também como alterações que poderiam ser garimpadas ou medicadas com tranquilizantes e antidepressivos. São transtornos distintos, mas, há uma sobreposição significativa entre eles, e, embora possam ocorrer separadamente, com frequência ocorrem dois ou mais juntos.

O período entre o final da década de 1970 e início da década de 1980 assistiu à explosão do conhecimento sobre o funcionamento do cérebro. Não passava uma semana sem que um neurobiólogo ou psiconeurologista anunciasse a descoberta de um novo mensageiro do cérebro: os chamados neurotransmissores - substâncias químicas que as células do cérebro usam para se comunicar e que governam todo o nosso ser consciente e inconsciente. Descobriu-se, então, que os distúrbios de ansiedade tinham origem biológica.

Uma das primeiras descobertas no início da década de 1980, nos EUA, foi a de que os distúrbios de ansiedade constituíam o problema de saúde mais comum no país.

A verdadeira extensão desses distúrbios só se tornou conhecida com a primeira pesquisa do Instituto Nacional de Saúde Mental sobre doença mental realizada nos EUA, no início da década de 1980. Conhecida como Epidemiological Catchment Area (ECA) - área de captação epidemiológica -, essa pesquisa coletou informações de aproximadamente 20 mil pessoas em cinco cidades: Baltimore (Maryland), New Haven (Connecticut), St. Louis (Missouri), Durham (Carolina do Norte) e Los Angeles (Califórnia). Evidenciou-se que 23% da população estudada apresentava um transtorno ansioso. As entrevistas eram longas e detalhadas, gerando dados que se tornaram importante fonte de informação sobre incidência, prevalência, história familiar, idade das vítimas, tratamento, custos e outras estatísticas relacionadas com a doença mental.

Mais tarde, um estudo conhecido como Pesquisa Nacional de Comorbidade (PNC) descobriu que a prevalência era ainda maior que a estimada pela ECA: um, entre quatro dos pesquisados, registrava uma história de pelo menos um distúrbio de ansiedade. Os resultados desse estudo também sugeriram que os distúrbios de ansiedade são mais crônicos do que a depressão ou o abuso de drogas.

A Síndrome do Pânico, um dos mais aterrorizantes e ao mesmo tempo mais tratáveis distúrbios de ansiedade, foi somente considerada, e tratada como condição real e séria, apenas em outubro de 1991.

Entretanto, apesar da proliferação de artigos em jornais e revistas, programas de televisão, rádio e livros que vem ocorrendo desde o final da década de 1980, a ignorância por parte do doente, o despreparo de muitos médicos e o estigma que recai sobre todas as doenças mentais inviabilizam tratamentos e curas.

Foi estimado que, antes de um paciente ter seu distúrbio de ansiedade diagnosticado, ele terá consultado uma média de dez médicos. Muitos passam por formas tradicionais de psicanálise ou psicoterapia.

A Fobia Social é um transtorno crônico, sem períodos de remissão. É o medo patológico de comer, beber, tremer, enrubescer, falar, escrever, enfim, de agir de forma ridícula na presença de outras pessoas. Inicia-se na adolescência, afetando igualmente homens e mulheres, atingindo em torno de 3% da população. A Fobia Social pode ser circunscrita, isto é, restrita a apenas um tipo de situação. A pessoa teme, por exemplo, escrever na frente de outros, mas no restante das situações sociais não apresenta qualquer tipo de inibição exagerada.

Uma fobia é caracterizada por: 1) medo excessivo, imensurável de um objeto ou situação; 2) comportamento de esquiva em relação ao objeto temido; 3) grande ansiedade antecipatória quando próximo do objeto em questão; 4) ausência de sintomas ansiosos quando longe da situação fóbica.

Sem tratamento, a Fobia Social, que afeta significativamente 2 a 3% da população, pode levar a limitações vocacionais, debilitação social e dependência financeira, bem como agorafobia, alcoolismo e depressão. Suas vítimas podem também ser assediadas por ideias de suicídio, ou mesmo tentar efetivamente se matar.

Um terço dos que têm Fobia Social sofrem também de Depressão. A maioria das pessoas reconhece as mudanças de humor da Depressão: tristeza e irritabilidade, sentimentos de desesperança e inutilidade, perda de interesse em atividades anteriormente satisfatórias. Além disso, a Depressão provoca, na maioria das vezes, sintomas fisiológicos perturbadores, como fadiga e perda de energia, dores não identificadas e mudanças de peso (ganho ou perda), apetite (maior ou menor) e sono (excesso ou falta). Sintomas cognitivos também podem ocorrer como dificuldade de se concentrar, de lembrar coisas ou tomar decisões.

Histórias familiares de distúrbios de ansiedade, frequentemente, atravessam várias gerações. Certos fatores ambientais talvez interajam com susceptibilidades herdadas, pois, um membro da família pode ter fobia por elevadores e outro de falar em público.

Vasculhar o passado atrás de eventos potencialmente favoráveis a serem os precursores de problemas de ansiedade atuais não ajuda na eliminação dos sintomas. Voltar ao passado e falar sobre a família e a infância é apenas tentar compreender e aceitar, mas não é a solução.

O "insight" sozinho, isto é, sem acompanhamento médico, não é eficaz no tratamento dos distúrbios de ansiedade. Conhecer a origem da fobia, tal como saber que é irracional, não faz com que ela desapareça. Quando a maioria das pessoas procura ajuda, a reação fóbica já está profundamente entranhada.

“Se fizesse sentido, não seria uma fobia.”(Jerilyn Ross)

As pessoas com Fobia Social descobrem, com frequência, que as bebidas alcoólicas atenuam a ansiedade. Estudos mostram que cerca de 10 a 20% dos fóbicos têm também problemas com bebida. E, um terço dos alcoólatas tem uma história de síndrome do pânico ou alguma forma de Fobia Social antes de começar a beber.

A Fobia Simples ou Fobia Específica é uma categoria residual dos quadros fóbicos. Caracteriza-se pela presença persistente de temor circunscrito a um determinado objeto ou situação. É comum na população em geral, embora não necessariamente entre os que procuram tratamento. Envolve animais, escuro, espaços fechados, alturas, tempestades, etc.

O diagnóstico de Fobia Simples somente deve ser feito quando o comportamento de evitação fóbica interfere de maneira importante no funcionamento ocupacional e na capacidade de relacionamento interpessoal e social ou se acarreta grande sofrimento ao indivíduo.

Agorafobia, em Grego, significa literalmente “medo da praça” (praça: espaço amplo e aberto). Cerca de um terço das pessoas que sofrem de Síndrome de Pânico desenvolvem Agorafobia, que é o medo e o hábito de evitar lugares e situações públicas, das quais é difícil evadir-se ou, nas quais a ajuda não é disponível, no caso de ocorrer um ataque de pânico. O paciente restringe as suas atividades e deslocamentos desacompanhado, ou o faz sempre acompanhado por outra pesoa, ou procura enfrentar as situações apesar da intensa ansiedade.

Pânico: palavra originada do grego “panikon”, que nessa Língua significa o medo provocado pelo Deus Pã. Susto ou pavor repentino, às vezes sem fundamento, que provoca uma reação desordenada, individual ou coletiva, de propagação rápida.Segundo os estudiosos de mitologia, o Deus Pã, metade homem e metade bode, era considerado muito feio e era muito temido pelos gregos. Confinado nas montanhas da Arcádia, seu divertimento era aparecer repentinamente e assustar as pessoas. Outra versão é que era seu hábito perseguir as ninfas e violentá-las. Em Atenas, teria sido erigido na Acrópole um templo ao Deus Pã, ao lado a Ágora, que era a praça do mercado. Parece que algumas pessoas tinham medo de frequentar esse lugar público e que esse medo era associado ao Deus Pã.

A Fobia Social apresenta início insidioso, e o Transtorno do Pânico agudo.

Diferentemente do Ataque de Pânico que dura apenas alguns minutos, o fóbico social sofre antecipadamente e durante a exposição. Essa é a diferença básica entre o Transtorno do Pânico e a Fobia Social. Embora inesperado, o Ataque de Pânico, como o seu próprio nome indica, é um ataque; isto é, tem início agudo, alcança intensidade máxima em pouco tempo (menos de 10 minutos, geralmente), dura cinco a vinte minutos, e depois desaparece. Na Fobia Social há uma ansiedade antecipatória antes de se enfrentar situações sociais ou mesmo apenas as imaginando. Quando o paciente está na situação, os sintomas aumentam acentuadamente (palpitações, sudorese, tremores, distúrbios gastrointestinais, urgência urinária, dispnéia, gagueira, etc.) e dura todo o período da situação social, podendo chegar a horas.

O Ataque de Pânico manifesta-se através de sintomas psíquicos de grande intensidade: sensação de medo de perder o controle, de perder a razão, de perder a consciência, de desastre iminente ou mesmo de morte. Esses sintomas psíquicos vêm acompanhados por uma grande variedade de sintomas físicos: taquicardia, palpitações, opressão precordial,dispnéia, ondas de frio ou de calor, sudorese, tremores, tonteiras e visão turva.

O início da doença ocorre com maior frequência no adulto jovem entre 20 e 35 anos. Entretanto, o primeiro ataque pode ocorrer em diversas faixas etárias.

No que tange a grupos sócio-econômicos, há uma distribuição uniforme nas diversas classes sociais.

Tendo em vista que os sintomas também se assemelham aos que acompanham várias anormalidades cardíacas, problemas de tireóide ou problemas respiratórios, os pacientes com pânico temem muitas vezes que estejam morrendo, em vias de desmaiar, tendo um ataque cardíaco, ou perdendo o controle mental.

Distúrbio de Ansiedade Generalizada (DAG): a característica principal deste distúrbio é a presença de ansiedade e preocupação excessiva e não realística em relação a duas ou mais circunstâncias da vida rotineira (casamento, trabalho, filhos, finanças). Nesse tipo de transtorno, os sintomas flutuam no tempo, são quase persistentes, e não se relacionam com períodos específicos. Os pacientes têm mais sintomas ansiosos que os fóbicos sociais, como por exemplo, insônia. Quem sofre de DAG se preocupa sem nenhum motivo: com dinheiro, embora tenha uma situação financeira satisfatória; com um filho que está na escola, em perfeita segurança; com quase tudo. Eles se consomem com essas preocupações quase o tempo todo. Sentem-se sempre trêmulos e, como costumam dizer, “no limite”. Com frequência, sofrem de depressão, pelo menos moderada. Podem também sentir calafrios, ter dores musculares, ficar inquietos, estar sempre cansados, perder o fôlego e sofrer com palpitações, suor, mal-estar abdominal, tontura, dificuldade de concentração e irritabilidade. De acordo com o DSM, a presença de pelo menos seis desses sintomas com nenhuma outra causa aparente autoriza o diagnóstico de DAG.

O Stress Pós-Traumático (SPT) foi identificado pela primeira vez como um distúrbio psiquiátrico distinto no final da década de 1970, quando veteranos do Vietnã começaram a registrar "flashbacks" apavorantes de experiências de combate. Esse distúrbio, após a Guerra de Secessão, recebeu o nome de “coração de soldado”. Depois das duas grandes Guerras Mundiais e da Guerra da Coréia, soldados apresentaram os mesmos sintomas, então denominados de “neurose de guerra” ou “estafa de batalha”.

O DSPT afeta entre 2 e 9% da população norte-americana, não se restringindo apenas aos veteranos de guerra. Ele pode acontecer após qualquer acontecimento extraordinariamente doloroso, tal como estupro, incêndio, enchente, abuso sexual, cativeiro, acidente de avião ou de automóvel.

O DSPT tem como traço fundamental o desenvolvimento de sintomas característicos que se seguem a algum acontecimento psicologicamente perturbador, que possa ser considerado além do limite habitual de experiências humanas. Os sintomas habituais envolvem a reexperiência do acontecimento traumático, o evitamento de situações associadas ao estímulo, o entorpecimento da capacidade de reagir e o aumento de excitabilidade.

Distúrbio Obsessivo-Compulsivo (DOC): Obsessão é o pensamento, imagem ou impulso perturbador, persistente e repetitivo. Compulsão é a necessidade de realizar um ritual ou uma rotina para ajudar a aliviar a ansiedade causada pela obsessão.

Embora recentemente tenha havido um progresso considerável no entendimento, diagnóstico e tratamento de DOC, ainda não se sabe, com certeza, sua causa. No passado, acreditava-se que o DOC resultava de atitudes familiares ou experiências da infância, entre elas a disciplina rígida dos pais. Atualmente, os indícios apontam para fatores biológicos como sendo os principais causadores do desenvolvimento de DOC.

A pessoa que sofre de DOC sente uma necessidade imperiosa de realizar certos rituais, como se uma tragédia pudesse abater sobre ela ou uma pessoa querida se o rito não for executado. A ânsia é tão intensa que a única forma de aliviá-la é realizando-o, quer seja contando, lavando, conferindo, guardando ou repetindo ditados ou orações para si mesma. Entretanto, o alívio é temporário e, com isso, cresce, aumenta a necessidade de repetir o ritual sem parar.

“Superar o conceito vago de loucura e o preconceito nele contido é fundamental para permitir que as pessoas possam procurar ajuda mais rapidamente e de maneira correta, sem o temor de serem definidas como “estranhos” ou “esquisitos”. (Prof. Dr. Táki Athanássios Cordás)

Um grande obstáculo ao tratamento é a pobreza de linguagem. O Dr. Frederick K. Goodwin, então diretor do Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA, disse: “Todo mundo entra em pânico. Eu estava a uns trinta quilômetros daqui e tinha vinte minutos para chegar e então entrei em pânico. Isso é uma trivialização e é culpa de nossa Língua, que usamos palavras comuns como pânico, depressão e ansiedade para falar de sentimentos humanos normais e, ao mesmo tempo, esperamos que as mesmas palavras indiquem um distúrbio mental sério. Temos de corrigir isso. Temos que educar o público que pânico com P maiúsculo é uma questão diferente do pânico a que todos se referem como fazendo parte de suas vidas normais.”

O Dr. Thomas Uhde, da Universidade Estadual de Wayne, EUA, que dirigiu o programa de pesquisas sobre distúrbios de ansiedade no Instituto Nacional de Saúde Mental dos EUA por muitos anos, acredita que outro obstáculo ao tratamento é a tendência de muitos terapeutas de se agarrar a uma única terapia ou a um único medicamento. Ele destaca que os diferentes distúrbios de ansiedade são governados por diferentes neurotransmissores e diferentes medicamentos e terapias agem em sistemas específicos. Um grande número de neurotransmissores já foi identificado, e, embora eles se sobreponham com frequência, cada um desses mensageiros regula funções mentais e físicas específicas. Pacientes com sintomas semelhantes podem estar sofrendo de um distúrbio em territórios de neurotransmissores diferentes.

Os distúrbios de ansiedade são crônicos e podem reaparecer, especialmente após algum acontecimento traumático. Porém, é preciso estar atento para o fato de que é possível controlar uma recaída, é possível controlar os sintomas, matando o mal no seu nascedouro.

Pessoas que sofrem de distúrbio de ansiedade passam uma boa parte do seu tempo inventando desculpas e/ou manipulando pessoas e situações para não ter de falar sobre seus terríveis pavores. É frequentemente difícil ou impossível aos familiares perceberem qualquer motivo racional para o comportamento de evitação. E, uma vez que os distúrbios de ansiedade consomem muita energia, suas vítimas também podem negligenciar suas relações pessoais.

O cérebro tem aproximadamente 100 bilhões de neurônios, e cada um desses 100 bilhões tem uma média de 10 mil ligações com outros neurônios. Para todos os propósitos práticos, o cérebro é infinito. É o sistema mais complexo dentro do universo conhecido.

A biologia cerebral é complexa, reativa e sempre subjetiva quanto ao crescimento e à mudança. Quando se trata de alterar as funções cerebrais, não existe um caminho simples para a cura, na maioria dos casos. Opções de tratamento são muitas, mas não há dois pacientes iguais e enquanto um deles pode responder bem a um determinado e único tratamento, por exemplo, fazendo uso de medicamentos, sem uma abordagem terapêutica, outro pode necessitar também de terapia cognitivo-comportamental.

Cada cérebro é distinto e único, inclusive os cérebros de gêmeos idênticos. Nenhum médico ou psicoterapeuta pode prever o efeito de uma pílula ou uma terapia verbal sobre a biologia individual. O clínico pode basear-se em médias estatísticas e tentar o tratamento para ver o que acontece. Essa observação não é pessimista. Na verdade, a maioria dos pacientes que opta pelas drogas experimenta melhora real e significativa. Metade dos pacientes que consultam um psiquiatra recebe a ajuda de que necessita.


                    FONTES CONSULTADAS



PAPROCKI, J.; ROCHA, F.L.

Doença do pânico ou distúrbio do pânico – uma aula destinada ao médico não psiquiatra.

Bol. CBPTD – Supl. Arq. Bras. Med., 64(3): 155-161,1990



VERSIANI, M., A. E.; DINIZ, F. M.

Fobia Social

Separata de Jornal Brasileiro de Psiquiatria – set/out., 1989, vol.38, n.5



NARDI, A.E.; FIGUEIRA, I.; VERSIANI,M.

Fobia Social: Aspectos diagnósticos e terapêuticos

Temas, São Paulo, 1996, 51:113-125



RATEY, J.J.; JOHNSON,C.

Síndromes silenciosas – Título original: Shadow Syndromes.

Tradução de Heliete Vaitsman

Editora Objetiva, 1997



ROSS, J.

Vencendo o medo. Título original: Triumph over fear: a book of help and hope for people with anxiety, panic attacks, and phobias. Tradução de Pedro Maia Soares

Editora Ágora, 1995