segunda-feira, 27 de junho de 2016

(fotografia: scg)




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Eu me despeço do mundo todos os dias.
Não é verdade que não penso na morte.
Penso sempre na morte,
Porque está entre as páginas do livro que fecho,
nas dobras dos lençóis em que me deito,
nos restos de comida sobre o prato.
Tudo morre a cada dia e ressurge glorioso
como um vaga-lume, uma borboleta, um escaravelho.
E dura o tempo que durar
sem se abalar com nada.

Eu me despeço da luz como se não mais a visse,
Me despeço dos sons que se aquietam,
Me despeço das formas que cessam de existir.

Me despeço dos templos e igrejas onde guardamos as imagens dos santos, que repousam ali eternamente.
Me despeço de horizontes sempre limpos, cujas montanhas à distância se alongam ao olhar.

Serei a última irmã das palavras para deixá-las partir.
O mar banha o contorno da terra, cercando-a de sua existência fluida.
Os corpos se chocam contra sua onipresença magnânima.

Aceno adeus à paisagem por ser minha e todas as coisas ditas e não ditas permanecerão acesas como fachos de luz no despenhadeiro.

Somos os irmãos das palavras porque as inventamos para os poemas que ousamos escrever.

Tudo é dito hoje e se apaga.
A palavra escolhida é o poema.

27/06/2016 - 2h42


Por Thereza Rocque da Motta