sexta-feira, 8 de abril de 2016

Um poema quase findo...


(por Suzana Guimarães)



Trincou uma bombonière de cristal, ao longe. Leve som. Trincou o doce caramelado e também a porta antiga, essa, trincou no meu olhar, conjugou-se então um tempo verbal ainda desconhecido e eu me vi triste e submissa às horas quase mortas...

Trincaram os dentes da minha mãe, tantas e tantas vezes, e eu nunca pude ajudar, consolar ou amenizar... O tempo se foi e eu também tive meu sorriso trincado, entrincheirado na memória ardida. Trincou a maçã do amor - como era bela! Trincou o céu num tom bordô. 

... enquanto isso tudo era lindo, a grama muito verde e úmida... e pássaros cantavam amorosamente, em calmaria, enquanto as flores da cerejeira cobriam-me em véu. Tudo tão perfeito e silencioso! E dentro de mim, o mundo trincava-se. ​

As tábuas no chão tantas e tantas vezes encerado - e não mais, não mais! - fingiram trincarem-se enquanto eu as pisava... mas o som vinha do peito.

... enquanto isso tudo era lindo, as árvores tão verdes e frondosas... A menina corria feliz ao redor, respirando, sugando as flores todas que enfeitavam a casa... no chão, petúnias ainda vivas.

Embora trincadas todas as suas pétalas... embora a vida, embora o fogo, o mal e a bondade. Embora a enorme força de vontade.

O relógio trocou os lentos segundos pelo tempo do véu que despencou de mim, dentro da casa de tábuas corridas...

E toda noite, eu venho aqui para dizer sobre todas essas coisas, mas é sempre tarde.

E toda noite, eu venho aqui...

para estar novamente lá

Onde tudo ainda é lindo, verde no chão, azul ou alaranjado no céu que toda tarde arde em brasa...

embora eu ainda sinta o trincar do encontro.


Por Suzana Guimarães