sexta-feira, 5 de outubro de 2012

QUANTAS GIRAFAS PODERIAM ME SALVAR?

 
Fotografia de Suzana Guimarães - arquivo pessoal
 

Borbulha. A água da panela não borbulha mais que eu, nem o Mauna Kea e o Mauna Loa conseguiram tanto. Borbulhou, borbulha ainda. Ferve. Borbulha sentimento ruim em mim. Borbulha tudo aquilo que você me fez engolir e eu ainda não ingeri. É preciso que o tempo ajude. E eu olho os céus, olho o mar, as ruas silenciosas, as pessoas que passam, só não olho para dentro, porque, lá dentro, aqui dentro, borbulha ainda.

Sou rápida com as palavras, sou rápida no agir. Lenta no sentir. É preciso que o tempo ajude. Mas, outro dia, a minha filha quis comprar uma girafa do tamanho dela. Um balão de soprar preso entre seus dedinhos, que subia, subia ao alto e descia aos poucos, parecendo caminhar. Seguia leve e inconstante atrás da minha filha. Caminhamos até o carro, e eu guardei a girafa no porta-malas. Depois, antes de abrir a porta, para que a minha filha entrasse, eu voltei e abri novamente o porta-malas para guardar minha bolsa. A girafa fugiu.
 
Ela alcançou o cruzamento em frente ao estacionamento do shopping, num voo rápido e leve, dez pistas que cruzavam dez outras pistas. Era sábado, à tarde, muito movimento, muitos carros, eu gritando em Português, desesperada, sem saber se segurava a mão da minha filha que gritava também ou corria atrás da fugitiva. Eu gritava para que ninguém atropelasse a girafa, para que a vissem; ela, que subia e descia, parecia desviar dos carros. Alguns diminuíram a velocidade, outros desviaram.

Ela, a girafa, foi salva, já do outro lado, na esquina em diagonal a mim. Um carro parou, uma mulher desceu e pegou o balão elegante, como toda girafa deve ser. A minha filha ficou contente, eu, também, e a volta para casa foi em meio às gargalhadas - uma pequena vitória do dia.

Borbulha ainda a tristeza por tudo o que você me negou, borbulha o desejo de vigiar tua casa e teus passos, para contar os tombos, só para isso. Borbulha. Sentimento ruim também é para ser vivido. É preciso cortar o pão duro com os dedos, espremê-lo entre os dentes, tentar algum alimento.

É preciso que eu olhe os céus, olhe o mar, as ruas silenciosas, as pessoas que passam, as girafas que fogem, que voam, todas elas, vivas ou não vivas, mas suficientemente capazes de desviar meu olhar para longe e me façam gritar qualquer coisa, mesmo que sem importância, desviar a rota que você desenhou para mim e eu, tola, caminhei em cegueira.

É preciso que fatos ocorram, olhares se cruzem e muitos passeios eu caminhe.

Bomba foi feita para aluno; perdas para caminhantes, ódio, para humanos, mas eu não gosto disso, eu só queria ter te amado. Borbulha o que poderia ter sido amor.

Por Suzana Guimarães