sábado, 22 de setembro de 2012

CARTA PARA LUNNA


Imagem retirada da Internet, por Dulcie Duda, que conhece a arte da delicadeza.



Los Angeles, 21 de setembro de 2012.
 
Querida Lunna,
 
Esta carta começou ontem, mas ficou apenas na data. Minha filha me chamou para brincar. Brincamos por três horas e ela não se deu por satisfeita. Convidei meu marido para me substituir, meus olhos estavam pequenos, semi-cerrados de sono... tomei um banho e fui dormir.
 
Estamos em total sintonia. Eu me ardo neste deserto que é a Califórnia. O sol castiga sem dó. No céu azul límpido nenhuma nuvem, sequer um risco. Os pássaros se escondem. Até os corvos procuram um pedaço de sombra e aqui não há árvores frondosas para nos aliviar. Elas são pequenas, raquíticas, quando não são palmeiras e coqueiros, altos e alheios. Do chão, parece brotar fumaça; o mar, ao lado, traz algum vento, mas, quanto mais para o interior, mais sufocante fica e a faculdade onde estudo fica distante dele.
 
A sede é uma constante e meu interior caminha em sintonia, eu ando ardendo e doendo, um fósforo encosta-se em meu nervo. Fugir para o passado ou para o futuro é impossível, tanto quanto escapar desse calor dos infernos.
 
Insatisfeita? Não, não estou. Decepcionada, sim, bastante. Você escreveu: "Fecho os olhos e só vejo paisagens. Tudo esbranquiçado. Aos pedaços. Nada me pertence e talvez nem mesmo a você." É o que estou. Andei forçando a miopia para não enxergar, mas a verdade sempre força a porta. E ela andou batendo na minha cara inúmeras vezes e, inúmeras vezes, eu fingi não perceber o tapa, o choque, a sensação de fim. Bateram portas na minha cara e eu andei dizendo que tudo entendia. Mania de ser Pollyanna!
 
Daí, me fiz silêncio, passo leve e curto. Às vezes, bate certa raiva e eu esbravejo, solto minhas ironias, sacudo, debocho. Mas, dói assim mesmo, vingando-me. Porque o que me machuca não é ímpar, não é singular, é um plural de gente, de fatos, e, inclusive, de obrigações.
 
A menina, que às vezes gostava de brincar sozinha, grita dentro de mim, pede ar, pede espaço. Eu queria dar as mãos, fazer roda, cantar junto, acompanhar, mas não posso, não consigo, independe de mim, ando só, por desgosto. E nele fico e aceito, abraço-o, pois não sou a cara do palhaço, de sorriso aberto e colado, eterno, para sempre, mesmo que entre lágrimas e dor. Não sei ser assim.
 
Sou o silêncio que ouço enquanto caminho do carro até a minha sala de aula, sob sol que machuca. Sou o sufocamento que sinto quando entro no carro quente e abafado.
 
Minha amiga, é preciso tempo, não o mesmo tempo que espero para que o ar condicionado do carro faça algum resultado, mas aquele que não se conta, por medo de se sabê-lo infindo.
 
Um abraço,
 
Suzana
 
Por Suzana Guimarães

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