terça-feira, 15 de março de 2011

COM VOCÊ, EU ENTENDI QUE O CÉU A GENTE É QUEM FAZ

(arquivo pessoal de SCG - Abril/Primavera de 2009)

Avisaram-me de você. Eu pisava chão duro, o ar era sempre seco e secas eram as cores à minha volta. Na casa da vizinha havia som, brilho e muitos tons. Avisaram-me de você e eu acreditava, mas depois passava a mão na testa, fazia um gesto tolo, como se retirasse um devaneio, um pouso leve de pena em minha pele e seguia meu caminho. Uma noite, em sonho, você chegou em pessoa, tão lindo, tão lindo, pediu que eu tocasse seu peito e eu toquei, pediu que eu ouvisse o pássaro que cantava dentro de si. Ouvi, maravilhada com seu semblante, seu cabelo em cachos nas pontas.


Segui o meu caminho, meus pés doíam naquele chão sempre áspero, sempre solitário. Eu o desejava, desejava, de mansinho, bem quieta no meu canto. Às vezes, debruçava-me sobre os livros, cansada, à noite, e chorava porque eu não o tinha, você não havia chegado.

O tempo de desistir chegou num dia qualquer e assolou meus sonhos e a minha fé, fiquei parecendo o poço eterno dos desejos não realizados, foi quando veio você, um minuto antes da hora mais linda, um minuto antes da esperança dar seu último giro em torno de mim. Você chegou, tocou meus lábios, meus olhos, a ponta do meu nariz, me viu. Reconheceu-me. Dei-lhe nome de rei. Eu o embalei em mantas de puro algodão, banhei você em moedas de ouro, cantei mesmo que desafinado. O chão que eu pisava foi pouco a pouco se tornando areia fina de praia. O ar tornou-se úmido e os aromas que vinham da casa da vizinha não eram melhores que os meus.

A cada nascer seu, ressurreições minhas. A cada passo seu, milhares meus. Cada gesto seu, uma batalha minha. Cada palavra sua, um discurso inútil meu. Você tão paz, eu imensamente bélica. Você me diz, sentado ao meu lado no carro, ouvindo música, você me diz, será confeiteiro de bolos... pela paz do ofício, pelo silêncio do construir e adornar. E eu diminuo em freadas bruscas o meu respirar, tento alcançar suas gentilezas. Penso que você será é diplomata, o pacificador. Você permite que eu lhe ensine a domar um cidadão com meia-dúzia de palavras e você me ensina trilhas para alcançar caminhos mais floridos e arejados, fazendo uso de tão parcos movimentos, assim como faz quando luta, lenta coreografia, até pra derrubar, você é ternura.

Com você, posso dar quantos giros for preciso em volta da Terra, posso caminhar na lama dos infernos e alcançar algodão nos céus. Com você, pego um dragão pelo pescoço e o esgano, com você, piso a relva macia, tocando de leve os querubins que criamos para nos distrair. Com você, eu caminhei para um mundo desconhecido, temerosa de que esse mundo o engolisse... mas você me provou que a determinação é silenciosa, de vestes simples, de voz mansa, riso solto, mas firme e prudente.

Com você, eu entendi que o céu a gente é quem faz.

                                       Sua mãe


P.S.: eu o amei, eu o amava, eu o amo, eu sempre amarei você, eu amaria (de qualquer jeito fosse) e eu vivo só para amares tu.

        Um texto de Suzana Guimarães