sábado, 28 de dezembro de 2013
CARTAS DE DEZEMBRO - a sétima
Los Angeles, 28 de dezembro de 2013
Querido F.,
Eu já lhe disse que gosto do seu nome, do seu nome de nascimento? Se ainda não, digo, prefiro-o ao apelido, gosto do movimento dos meus lábios para pronunciá-lo, que primeiro se abrem, pouco, para depois, fazerem dois biquinhos...
Há quanto tempo a gente não se fala, apenas passa correndo um pelo outro, "oi, bom-dia!", "oi, boa-tarde, como vai?"... e a vida enrolando-nos, levando-nos, a nós dois, em ricos tapetes persas, para terras jamais habitadas, ou lotadas, com desconhecida gente a nos sorrir, fazendo promessas, e nós, embriagados de poesia, carregando areias finas a nos incomodar em nossas barrigas - chamando-nos para o lúbrico - e a vida fazendo sinais, e nós, muito tontos, acreditanto em todos, pela eterna mania da aventura...
A mim, meu querido, cabe este deserto onde os 'tumbleweeds' parecem ilusão de ótica, bolas de mato seco voando aos pulos feito cangurus... A ti, estes lençóis, ah, estes lençóis maranhenses, diga-me, são mais belos que as dunas de Natal?
A nós, nossa realidade. Mas, a gente não aprende, não é? E, amanhã, no estacionamento do supermercado, você esbarrará seus olhos no amor de sua alma - e você acreditará nisso, com todas as suas forças, e, se contar para mim, eu direi, sim, sim... e você voltará para casa sorrindo, escreverá cartas, poemas e bilhetes de amor. Incensará o ambiente, comprará roupa de cama nova, alguma bebida forte, alguns cigarros... pedirá à Iemanjá, deixará seu barquinho de ofertas para que as ondas do mar o levem com seus pedidos mais secretos... eu sei, eu, de cá, bebo suco de maracujá, miro os céus, peço 'meu pai', e não completo a frase, e, compro um disco da Nina Simone, pensando em você, desenho cenas de amor no escuro da noite, acreditando também ser a rosa azul de alguém, a bailarina de um rei sedento de mim... isso me faz rir, mas somos nós.
A nós, meu querido, a vida é pouca, escassa, escorregadia porque somos dois excessos, dois pássaros de peito em chamas, dois voos em queda livre. Somos os de ontem, você ainda na loja de tecidos, sedas, cem fios de algodão egípcio; eu, debaixo da mangueira, esperando alguma manga cair, seguindo o conselho do meu avô S., 'dispensa as do chão, espera as de cima', ouvindo G. cantarolar enquanto lava panelas na água da bica... e somos hoje, ardentes, ansiosos, e, com certeza, somos o amanhã, e você convidará o amor de sua alma para tomar um café.
É o que importa, a certeza de quem somos. Deixa a loucura para todo o resto.
Eu li que o próximo ano será o ano do cavalo de madeira. Pois então, nele estaremos, com certeza, mesmo que para lugar nenhum, mesmo que dele a gente venha a desmontar, já que o que importa nesta vida é o coração um minuto antes do primeiro beijo na boca.
Abraço apertado,
Suzana
Por Suzana Guimarães