Suzana Guimarães |
sábado, 7 de dezembro de 2013
CARTAS DE DEZEMBRO - a segunda
Los Angeles, 8 de dezembro de 2013.
Como vai você?
Você agora pode visitar-me, apesar de que, digo-lhe, está fazendo frio, daquele jeito que nunca o agradou. E chove.
Você completaria, hoje, 88 anos. Número lindo, oito, infinito. E isso me dói. Tudo dói ainda, inclusive e principalmente o simples cotidiano. Ontem, fui ao dentista, senti dor, deixei algumas lágrimas, duas, escorrerem, depois, aproveitei o momento, ao lembrar-me de você, e para isso não é preciso motivo coerente, plausível ou explicável, deixei tantas outras irem rolando, de olhos fechados, com a boca aberta, de um lado, Dr. N., do outro, sua assistente. Deixei-me, como a um rio, não, não um rio, como a um pequeno fio de água... igual àquele que tínhamos no alto do morro, nos fundos daquela casa.
Vô, quase toda noite, você sabe disso mais que eu, ficava horas vendo o rio passar. Quem não deu fortunas para saber o que ele pensava? Estou sem rio para ver correr, mentira, tenho até um mar, estou na realidade é para dentro, no casulo. Há algo de esplêndido na casa sozinha comigo, no cerrar de cortinas, nos meus movimentos lentos dentro dela. Mas, nada penso, apenas sinto.
Pode vir, estou à sua espera. Veja meus filhos, a árvore de Natal que montei por causa deles, veja que tudo continua quase o mesmo. Quase.
Às vezes, penso que estou ficando insana, descontrolada, ainda choro em qualquer situação, em qualquer hora... lembro-me então de uma amiga que, anos atrás, disse-me o mesmo e eu procurei entender, mas só entendi realmente agora. Não é falta, não é somente saudade, é constatação, é lembrança de tudo, do começo ao fim.
Naquele rio que vô tanto olhava, dá para ser lido um livro, dois ou mais. No fio de água, também. Em mim, cada lágrima que escorre é uma linha da nossa história.
Onde você estiver, os meus parabéns, o meu amor e a minha gratidão. Obrigada pela vida que me deu, duas vezes.
Sua filha,
Suzana
Por Suzana Guimarães
P.S.: a escrita é um ato de compartilhar alegria e dor, compartilho, então, a minha.