quinta-feira, 29 de março de 2012

QUERIDA EMILY (um segredo da vida: a pausa)

(fotografia, por SCG)




Sou feita de pausas e parece que sobrevivo melhor no meio de cada uma delas, não no início, quando tudo à minha volta transborda e naufraga meu corpo; e nem no final, quando pareço tão renascida e nova e tão absurdamente independente que me assusta a imagem de mim mesma, no repouso da cabeça, no atravessar de uma rua a outra. Minhas pausas são respiros longos, exaustos no início, e solitários nos finais.

A princípio cansa-me o óbvio e a mesmice. É o instante em que preciso parar o pêndulo do carrilhão. O outro me cansa. O ouro eternamente a ser polido desgasta-me! A princípio vou colecionando a repetição das mesmas notas, tão belas no começo! Lembra-me a casa da minha tia, letras musicais que se elevam, elevam, param em suspenso, depois descem ou morrem ali mesmo. Eu sempre amei muito isso, mas com o passar dos anos, fui perdendo o dom da escuta e passei a embaralhar ao som meus tolos desejos que nunca criaram pernas e ganharam o mundo;

ou mesmo o coração do cara da livraria, que lê livros e diz sonhar comigo, mas, ele só sonha, pois, outro dia, ele esfregou os olhos por duas vezes ao mirar-me, acordando do devaneio de me ler. Ele quer entender meus passos calmos que conduzem um corpo barulhento; quer entender meu olhar profundo que atravessa seu deserto, seu habitat secreto... para se perder mais profundo ainda, no minuto seguinte, na fechadura da porta, tão inútil, tão sem significado, mero objeto. É quando vai chegando a hora da pausa. E, sem pausa, meu corpo adoece, enche-se de dores, febres e tontices. É o tempo do silêncio, querida Emily, aquele que você já conhece. E isso me dói, pois, na tua idade, as pausas não me machucavam tanto quanto essas que tentam lhe consumir. Tentam, eu sei.

Quando alcanço o final da pausa, eu gosto de mim mais do que a qualquer outro; a menina da grande estrela ensinou-me isso, outro dia, eu faço o exercício do individualismo. Fecho as portas, fecho os olhos, tranco tudo, porque é no escuro silencioso da germinação que eu poderei renascer. Não renasço em duplas - sonho bobo esse que já tive! Renasço sem par e alheia.

E não preciso me perder e me cansar em explicações, aquelas que vivo dando aos outros e que me desconfortam; sou caridosa comigo mesma, quando não me entendo, eu folgo os laços, faço coisas agradáveis. Muitas vezes, telefono para a minha mãe, ouço "querida', e o meu mundo passa a ser entendível, simples como o enfiar e retirar a linha da agulha.

Querida Emily, estou no meio da pausa, e, por isso, não procurei no teu irmão e na tua mãe, o teu olhar, o teu cabelo em ouro, tuas pernas longilíneas... eu apenas me fiz presente, mas, assustei-me, pois, mesmo sem nunca tê-la visto, vi você em pausas longas por entre seus falares e olhares. Eles a carregam para onde vão. Eles fazem contigo, a tua pausa. Você está num véu de luz que alcança a alma de quem chega perto e envolve e dissolve, em sopros.

Por Suzana Guimarães