Nota: mesma publicação, na mesma data, em Contos de Lily.
segunda-feira, 5 de julho de 2010
LILY INVADE
Suzana Guimarães
Lily nasceu na primeira semana de maio de 2010. A gestação durou um mês. O parto, apenas alguns minutos, o tempo que se gasta para escolher um nome. Adotei Lily com amor, como se fosse a minha quinta cria. Eu, Suzana, queria muito contar uma história. Para ser sincera, eu sempre gostei de contar histórias, algo que herdei do meu pai. Foi quando Lily surgiu. A mim caberia a história real, a ela, as outras, fantasiosas. Pensei que Lily iria contar apenas contos, pequenas histórias que ouviu contar e que guardou na memória, mas a menina foi mais longe. No início, estava receiosa, perguntou para mim o que deveria postar em seu caderno virtual e eu lhe respondi: conta aquela história daquela morte, daquele velório que era para ser um e virou dois. Dá-lhe o nome de "O Enterro."
Mas o tempo foi passando e Lily, esperando a mãe, no caso, eu, claro, liberar contos guardados, amarrados debaixo do colchão, decidiu escrever o que bem lhe agradasse. Enquanto escrevia, Lily visitava os vizinhos. Um dia, ela me disse para fazer o mesmo, largar tanta obrigação, tanta lista a cumprir e mudar de direção, ir para lugar nenhum. Ela disse para eu me largar de mim mesma, dar o tempo que nunca mais havia dado, desde que havia deixado de ser menina. Sempre achei a Lily mais razoável, mais equilibrada, mais mansa que eu e decidi, então, acompanhá-la...
Eu mudei, ponto. Não há muito a dizer. Tenho a certeza absoluta e irrefutável de que mudei. Tenho vida suficiente para saber disso. Eu mudei no dia em que primeiro abri a janela da minha casa, delicada casa, no endereço Rua do Blog, número oito. Depois, aos poucos, quase voando, fui abrindo as portas, os basculantes. Larguei o portão da varanda de entrada sem trancas. Arranquei a portinha de madeira pro bicho passar (ela lhe batia às costas). Revirei essa minha casa em sofreguidão, os calçados ficaram onde foram deixados no instante da entrada, ou soltos, sem pares, espalhados por toda a casa. Abri baús, gavetas emperradas, mexi em todos os armários, experimentei todas as bebidas, comi comida crua só pra saber o sabor, aspergi perfumes sem querer me perfumar, apenas pelo prazer de sentir aquele ar sufocante a ponto de engasgar. Eu mudei, tenho certeza! Cada vizinho visitante que espiava pela janela, ou se sentava no sofá, ou abria a geladeira, ou bebia no meu copo para tentar me desvendar, ou simplesmente entrava e saía todos os dias da minha casa delicada casa, silenciosamente, feito gato de tão leve, foi peça fundamental nessa mudança. Os ares passaram pelas frestas, pelos buracos das fechaduras e se instalaram em minha medula óssea, no meu núcleo celular. Eu não sei mais andar, eu flutuo. Eu não sei mais me locomover, eu vou através.
Sim, eu mudei, e foi através, pois quando ao abrir a minha casa, invadi outras. Não, invadir é muito. A minha mãe me educou e disse que gentilezas e bons modos não ocupam lugar - quase num mesmo tempo em que o meu pai dizia que o saber, o conhecer não ocupa espaço. Através da minha então educada visita às outras casas, especialmente àquelas de cor semelhante à minha, eu deixei para trás vestes velhas puídas pestes. Entrei em casas inesquecíveis feito poema inesquecível, livro eterno, cartas seladas ou não, empilhadas em mesinhas, por sobre louça branca, para eu poder saborear. Casas singelas, amáveis, tão doces, feito aquela de guloseimas, mas também feita de morangos, suculentos morangos. Vi decoração nova, vi discos nas prateleiras, vi despedidas de amor voando aos céus. Vi jarros de suco de maracujá, vi o dono bebendo a música de uma cantora enquanto ele fitava o mar. Vi casas de sedas cheirando a perfumes não muito caros. Vi tanta chuva que escorria que parecia inundação de um amor perdido tentando se agarrar. Vi casas com sorridentes cachorrinhos nas portas, vi outras que se abriam apenas à noite. E o dono de uma delas, apaixonado, esculpindo letras para formar palavras para um amor sonhado, embalado. Vi casas de sorrisos fáceis, palavras fáceis, vi também alguma doença lá instalada, mas deitada ao lado da tia valentia. Entrei em muitas delas, em outras, parei na porta, só espiei. Numa casa, me mandaram abrir gavetas, portas, janelas, e me convidaram a deitar no sofá, pôr os pés sobre a mesinha de centro. Perguntaram-me se eu queria beber alguma coisa e acabei por me embriagar. Vi casa ausente sem aviso de volto já, mas com porta entreaberta. Numa ou noutra, cheguei a cochilar, não de tédio, mas de prazer de ver minha alma se esticar. Entrei em algumas casas para ler bilhetes escritos nas paredes, mas também para me deliciar com música tocada feito pano de fundo. Fui tão longe... ouvi falar de respirar, o dono mandava respirá-lo e eu bem que tentei, treinei bastante e saí de lá respirando, respirando-o. Numa das primeiras casas que visitei, a dona tinha nome tão singelo e foto de moça de um filme apaixonante. Numa casa voltei ao passado, cheguei em terras nascidas, antigas. Senti saudade do cheiro de toda a minha existência. Às vezes, vou lá, só para respirar a minha própria história, sentada num quarto sépia. E paro os olhos na maquininha de escrever, igualzinha àquela que meu pai me ofertou do seu tempo de trabalho, de um passado brilhante. E alguma coisa, que eu não sei bem o que é, lembra a minha mãe. Em muitas casas, às vezes choro, às vezes rio, às vezes choro e rio e até sinto comichão. Em todas, eu penso em Deus.
Eu mudei e ponto. Renasci. Sou Lily.
Nota: mesma publicação, na mesma data, em Contos de Lily.
Nota: mesma publicação, na mesma data, em Contos de Lily.
12 comentários:
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Se assim é, seu nome, em mim, será o que quer. Portanto, Lily. Olha...nasceste em maio, pelo que taurina és. Moras na Rua do Blog número oito (o algarismo que mais aprecio). Pensas em Deus, o que me faz pensar, também. As reminiscências, os aromas, os sentidos (e a falta deles), a gentileza e o conhecimento desafiando leis da fisica, as visitas abençoadas,a geladeira, o maracujá, a chuva, as cores, os morangos...
ResponderExcluirAhhh!! a preguiça, o remanso!
Suzana, ora Lily, que vontade de sentar, em qualquer lugar, e conversar com você, jogando o relógio fora, tempo adentro, num exercício singelo de almas, calmas, embriagadas de vida.
Fica o convite!
Abraço.
Lily
ResponderExcluirque bom que gostou do meu poema.
Eu acho que o nome define a pessoa este quer dizer que é uma mulher forte,
Vamos partilhando e este RENASCEr tenho a certeza que foi...muito lindo!...
Um beijinho .
Lily prazer sou Lela...rs
ResponderExcluirSeu blog(casa) é como um porto para mim e está sempre na minha rota. A gente aprende...e não tem como não interagir.
Que lindas visitas bem descritas você fez!
BeijooO*
Tenho a certeza absoluta e irrefutável de que mudei. Tenho vida suficiente para saber disso.
ResponderExcluirAdoreii...
Seu blog merece um Selo..
Em breve postarei um selo para seu blog
Beijos
tenha uma ótima semana
Que lindo teu textopoema, Suzana!
ResponderExcluirTanta poesia contida nos detalhes do escrito, quanto mimo para dizer que pensa em Deus, que mudou...
Acho a casa o mais intenso retrato da alma do seu dono!
Um abraço, Marluce
Meu blog também teve problemas com os comentários e parei de moderar por isso, mas depois percebi que não era só o meu blog. É bug...rs
ResponderExcluirNossa.. fiquei quase que em transe ao lê-la. um 'dèja vú' sem tamanho,
ResponderExcluircomo gostaria de ter escrito este texto,
algo parecido, muito parecido me aconteceu...
Nossa.. fiquei quase que em transe ao lê-la. um 'dèja vú' sem tamanho,
ResponderExcluircomo gostaria de ter escrito este texto,
algo parecido, muito parecido me aconteceu...
*Estava usando o perfil errado, o certo é esse,
a minha sobrepele
LILY
ResponderExcluirbeijos
FUI ASSIM...
A criança que eu fui
A criança que tu és...
A felicidade que eu tive
Quero que tu a tenhas...
O mimo que eu recordo
Quero que tu recordes...
O amor que sempre
Esteve comigo...
E preencheu a minha vida
Eu quero meu menino...
Que sempre te acompanhe
E que nunca te falte...
Pois assim...serei feliz!
LILI LARANJO
Bem!!
ResponderExcluirAgora fiquei confuso... Ou Lyli ou Suzana?
Mas já que vc nasceu em maio, e doro flores, vai como..
Flor de maio
Bem!!
ResponderExcluirAgora ficou a dúvida GAROTA... Lyli ou Suzana?
Como vc nasceu em maio, e eu adoro flores!
Vai como, A flor de Maio!!kkkk
Olá Lyli!
Passei pra agradecer sua visita, sempre de forma carinhosa...
Mas chego aki, encontro essa Mulher, com essa crise de identidade louca, sem rumo, com novos objetivos...Vixê!
Deu pane na Suzana, ou caiu na real?kkk
Bem!!
Se for para um bem maior, que fique e se instale a Lyli, vou adora-la mesmo assim..
Uma linda noite pra Ti querida...
Bjs
MARCIO RJ
Que coisa linda e deliciosa de se ler. Que metáfora aconchegante! Ah, se a vida real tivesse casas tão gostosas como a que escreveu... Eu seria menos ermitão e sairia por aí visitando todos. É uma delícia o que esse mundo "virtual" nos faz, né? Como é bom sentir saudade daqueles de quem conhecemos, apenas, as palavras. Mas a quem conseguimos nos abrir tão bem...
ResponderExcluirQue bom que se libertou! Não que eu não gostasse do que eu lia antes. Mas, se o fez, é porque sentia necessidade, ainda que não soubesse. Gosta da Suzana, gosto da Lilly... E mantenho minha casa sempre aberta para ambas. Mesmo que ela estiver vazia, é temporário. Sinta-se à vontade, leia um livro, assista a um vídeo, faça companhia aos meus cães. E será sempre um prazer, quando eu voltar, te encontrar por lá.
Estou tirando férias da correria do mundo real. Acho que, agora, volto a ficar tão presente em casa quanto antes. É convidada, sempre!
Beijos,
Carina