T.O., 10 de dezembro de 1972.
domingo, 30 de maio de 2010
XIV - Junho de 2004
T.O., 10 de dezembro de 1972.
À minha frente, estava o menino ruivo. Lembro-me das suas sardas, do corpo gordinho e do cabelo cor de ferrugem. Lembro-me, principalmente, do suor que descia da testa em direção ao pescoço. Definitivamente, ele estava em apuros. E eu sabia. Estava atrás dele, imaginando os infernos pelos quais eu também haveria de passar. Eu era a próxima. Ele não conseguia fazer letra bonita no diploma do pré-primário. A cada diploma novo colocado à sua frente, um garrancho cada vez mais feio aparecia. Dona E rasgava a folha com violência, jogava os pedaços ao longe, gritava com o menino e, antes de bater a cabeça dele na carteira, dava outra folha para ele “assinar”. O ruivinho chorava e suava. Eu, sentada no chão, esperava a minha vez. Ainda me lembro da cena. Estávamos sentados em círculo. Ela ia chamando um por um. Não me lembro de nenhum outro aluno. Nem sei se fui a última. Eu era apenas a seguinte. Espera infernal. Eu sentia angústia, sensação de vazio, como se eu, de repente, tivesse perdido pai e mãe. Senti solidão, porque eu não podia falar nada. Não havia como protestar. O que era protesto? O que era um bando de crianças de cinco ou seis anos diante de uma mulher robusta, autoritária e dona da escola? Eu era o nada. Era uma criaturinha pequena, muito pequena, franzina, de cabelos curtos, sem muita beleza. Eu não tinha a beleza de cabelos longos, lisos e louros que vi despertando carinho de professoras. O mundo todo se resumia naquele instante. Não havia mais nada no mundo. Só aquele lugar, com aquela professora e aquele papel. Não me lembro dela me chamando. Só me lembro da espera. Lembro-me de estar sentada na carteira, a folha chegando, e eu tensa, dura, mal respirando, escrevendo meu nome. Escrevi devagar, bem devagar. Lentamente. Posso ler, hoje, a assinatura trêmula, pequena, alinhada com pressão no papel. Meu nome escrito de forma bela. Mas que eu acho triste. Formiguinhas pretas e miúdas numa cartolina grossa, amarelada; que minha mãe guardou por anos a fio, sem se importar de estar guardando. Apenas transferindo de gavetas para caixas e de caixas para gavetas ao longo dos anos e de nossas inúmeras mudanças de cidades. Lembro-me que o tempo do meu escrever não foi eterno, mas, quando terminei, estava cansada. Antes não ter acertado da primeira vez, só para poder irritá-la. Mas, eu era criança. Era uma menina que levava leite achocolatado e biscoitos de maisena na merendeira. Que tinha amigos na escola, mas adorava também brincar sozinha. Que queria muito aprender a ler, bem rápido. Eu era uma criança de seis anos.
2 comentários:
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Às vezes me sinto essa criança de seis anos rabiscando contos, histórias e poesias. Mamãe guarda esses rabiscos, e alguns amigos só passam de gaveta para caixas deixando amarelados... Hoje, brinco de letras, mas gosto de brincar sozinha!!
ResponderExcluirA cada dia que passa estou gostando ainda mais dos seus escritos!!
Beijos
Oi, minha xará!
ResponderExcluirObrigada!
"Hoje, brinco de letras, mas gosto de brincar sozinha!!" Adorei.
Eu também. Sozinha e feliz!
Bjs.