sábado, 4 de maio de 2013

Carta para uma flor, Érica.



Los Angeles, maio de 2013.


Querida Érica,

Desde sempre, eu vivo em busca de um tempo parado, que pode existir entre mim e ele, uma pausa, um hiato. Não tão breve quanto a vírgula, e nem tão longo feito um ponto. Seria então a pausa do ponto e vírgula que pouquíssimos apreciam. Em Inglês, ponto se chama "period", e eu sempre penso que ele realmente fecha um período.

Bom, já estou divagando, quase alcançado esse tempo... mas, só para terminar, eu queria dizer que hoje amanheci pensando numa frase que ouvi, "Você precisa aprender a se despedir". É, moça, eu preciso aprender que um período acabou, que vários períodos estão findos.

Quando criança, eu procurava estar sozinha, mesmo sendo uma menina comum, com irmãos, amigos e vizinhos. Estar só sempre foi vital para mim, mas isso se tornou quase impossível, atualmente, e eu lastimo e me sinto velha, cansada e feia. Nenhuma roupa me agrada, nem meu cabelo, meu corpo, meus dentes, minhas mãos, o mundo se desbota, claro, é a minha visão interna, tumultuada do muito. O único excesso que aceito é o meu próprio, pois faz parte de mim, é defeito e graça, qualidade, não posso sair por aí desmoronando a minha personalidade.

Enquanto lia a tua carta, noite alta, e eu estava exausta de estudar, alcancei meu ponto e vírgula, o mesmo que o estágio final de um relaxamento, duas doses de bebida forte ou a companhia de um bom homem... sim, um bom homem, aquele que tira teu mundo, teu chão por sob teus pés com qualidade de mágico. Só de imaginar, já sinto a dormência...

Percebe o tanto que você, com tua carta, levou-me às tuas próprias viagens? A gente comungou, a gente comunga. Estou com você no trem, no ônibus, no barco, sim, num enorme navio ou numa jangada, estou com você na esquina, comprando 'érica', porque estar junto não precisa estar ao lado.

Moça, eu realmente disse, "Vou comprar flores", assim, do nada, de uma hora para outra, num dia qualquer em que eu decidi dar flores para mim mesma e eu peguei a chave do carro, minha bolsa, e fui atrás de algo púrpura, lilás, algo que combinasse com meu momento, que combinasse com alfazema... eu também saboreio as palavras, al-fa-ze-ma... amenas alfazemas... minha alma rima, minha língua rima, talvez porque eu veja tudo em pares, aos pares, em sintonia, cadenciadamente. Eu, que não sei cantar e nem tocar e que nada entendo de música.

Entendo de ponto e vírgula, e você levou-me a ele, ao comentar sobre o livro e o filme que coincidentemente eu li e assisti. E, tuas últimas palavras "Compra flores mais vezes... compra-as para você. Algumas delas nos lembram que a fragilidade também resiste aos climas áridos", também me lembraram a minha mãe dizendo-me que a música "Fragilidade" do Sting era o meu retrato, numa época em que eu acreditava ser tudo, menos uma flor surgida no asfalto ou em um impiedoso deserto.

Érica, vivo num deserto, mas as mãos dos homens o transformaram em um jardim dos mais belos, onde eu olho incrédula rosas aos cachos esparramando-se por cercas e gramados... a prova de que a boa interferência do ser humano é sinal de que temos alguma partícula de divinos.

Apesar dos espelhos, principalmente os dos meus olhos, refletirem uma mulher cansada e sem graça, há flores em minha casa! Há um balde de alumínio com flores que parecem nunca morrer, no balcão da cozinha; há um galho delas enfiado numa garrafa de vidro que se transformou em jarra, no banheiro social; há em cima da mesa da sala de jantar, um bule branco com flores... há um tempo que nos é dado, um tempo que expira rápido apenas se você não se importar, e, é nele que eu atualmente me floreio, o tempo entre dez coisas a se fazer e uma a se perder.


Beijos,

Suzana


Por Suzana Guimarães.