sexta-feira, 9 de novembro de 2012

Eles sabem para onde vão, por isso correm. Eu não, eu não sei para onde estou indo, por isso vou devagar.


 
(Fotografia, por SCG)
 
 
Eu nunca soube de cor o número do meu CPF. Aos vinte anos, eu tentava imaginar o que estaria fazendo ao completar 40 anos, só porque eu deveria renovar a minha carteira de motorista. Decorei três números de telefone, o da minha mãe, um do meu irmão e o meu. Atualmente, paro antes para me lembrar do meu. Outro dia, perguntaram-me, num estacionamento, qual o número da placa do meu carro, eu respondi que não sabia, ela, a moça que cobrava a permanência, que olhasse. Porém, recordo-me das datas de aniversários de amigos do passado, gente que nunca mais vi e nomes de ruas nas quais morei. Meu espelho é sempre a minha última fotografia, por ela vejo o que mudar ou não em mim.

Percebi que eu tinha os olhos tristes, apaixonados, perdidos. Percebi isso ao rever velhas fotografias que resgatei de dentro de caixas. Mas, eu nunca fui triste, eu tinha tristezas, apenas isso. Apesar da minha dificuldade para decorar números, sou ótima para saber de mim, mesmo quando finjo o contrário. Pois então, eu sei muito bem o que quero, eu sempre soube. Ou melhor, eu sabia.

Hoje em dia, qualquer vento pode me fazer cócegas e muitos dos meus princípios mudaram de endereço, perderam-se nas decepções da vida. Para que tanta definição de si mesmo? De mim mesma? Para merda nenhuma, que me perdoem o bom uso dessa palavra! Para que a minha eterna tabuada, pregada na barra da minha saia para eu colar de vez em quando e fingir que sou mestre?

Eu sei quem sou eu, sei, sim. Hoje, eu sei o que me faz feliz e que não faz. E só. Basta! Não preciso mais do que isso. Outro dia, conheci um menino que me fazia sorrir, conheci três, conheci dez! Entretanto, todos, em um determinado ponto, pararam de me fazer sorrir e, eu, muito tonta, continuei sorrindo para eles e traçando mapas para nós, delirando... Revejo esses meninos, revejo-me e nada mais encontro porque eu fui ali, saí, larguei o que eu carregava em cantos quaisquer, desfiz as magias tolas e fui ser feliz. Simples. Minha felicidade é o meu corpo, que cuido; minha alma que preservo, e minha inteligência, que me salva.

Eu não sei mais para onde estou indo, o GPS pifou. O mapa? Eu nunca soube mesmo para que lado posicioná-lo. A agenda de telefones? Demoro um ano para atualizá-la, estou sempre um ano atrasada, enquanto todo mundo corre. E todo mundo se espanta, ainda tenho agenda de papel. Ainda tenho tempo de me perder porque parei de dar importância ao traço do compasso. Nunca fui boa mesmo em aritmética, nem em ritmo e equilíbrio, tenho Labirintite, não aprendi a tocar piano e a andar de bicicleta. Só acertei o alvo quando gritei 'este, eu quero', e isso ocorreu poucas vezes. Durmo antes do terço acabar, ladainhas são soníferas... Minha reza é apenas uma conversa, às vezes, íntima, às vezes, nem tanto. Sempre houve em mim um quê de distração pelas coisas, desejos e pessoas... o que eu sempre soube fazer foi levantar voo; me dê uma razoável tranquilidade e eu já não estou mais onde você pensa que estou.

É que todo mundo corre porque já quer chegar. Eu estou sempre indo.
 
por Suzana Guimarães