terça-feira, 22 de outubro de 2013

Um outono que não esquecerei


(arquivo pessoal de Suzana Guimarães)



Los Angeles, outono de 2013.



Querida Lunna,

Tenho provas de Inglês para fazer ainda nesta semana, uma pilha de roupas lavadas e secas para guardar, uma outra pilha de panelas em cima da pia esperando por minha arrumação... mas, fico aqui, num passeio inconsequente e sem destino pela Internet. Lendo não sei o quê, esperando o que nem imagino acontecer, e, eu não imagino nada. Não quero melhorar do meu luto, nem piorar, não quero nada, nada. Sinto fome, muita fome e sono. Parece que tudo isso que deixei de fazer por longo tempo, agora, ganha força e carência em mim.

Então, decidi escrever-lhe porque você ama cartas, assim como eu, mas, principalmente, porque tenho certeza de que essa será um vento a lhe cutucar de leve, um aroma de café, cheiro de hortelã. Qualquer coisa boa. Cá em mim, tudo cinza e triste, machucado e pisado. Pensaram, minha amiga, pensaram que a minha dor pela morte do meu pai era pouco. Daí, machucaram mais. No fundo, lá no fundo, eu rio, pois, diante da dor maior, as outras ficam desbotadas, frágeis, apesar de ainda obterem algum incômodo.

Dentro de mim, só desgosto, apesar de que ando socando-me e deixando-me socar no tatame. Apesar de que voltei às aulas na faculdade, de que estou procurando voltar à normalidade... apesar. 

O pior ano da minha vida, 2013, assim evidenciado desde o seu início, e, eu, tola, não pensei que ele poderia ficar marcado a ferro. Comentei com você? Meu pai faleceu no dia do aniversário da minha irmã, 29 de setembro. Um mês após eu voltar para a minha casa, para a Califórnia, deixando-o, dentro do quadro de saúde dele, em bom estado, em casa. Aqueles dias no hospital foram sofridos, mas me levaram de encontro a ele. E eu agora choro a sua partida.

Um tempo lá, dois meses, outro cá, um mês, sendo que durante metade desse mês, ele esteve de volta para o leito do hospital, CTI e muito sofrimento. Eu, aqui, não sabia o que fazer. Queria voltar para ajudar, mas tenho meus filhos ainda crianças... de repente, a notícia, "venha rápido, ele está por poucas horas".

E aí seu mundo vira-se. Uma viagem às pressas Califórnia/Minas Gerais, como se fosse ali. Ali não existe, pois tudo é longe quando se está sofrendo. Mais duas semanas escritas num caderno amarelado de histórias... e eu de volta, já há uma semana. Como poderia eu desejar algo linear estando em curvas? 

Por isso, a mínima vontade de ser, apenas estar. Estou aqui, estou onde preciso ficar. Estou para dentro. Estou sofrendo. Fiz-me em concha. Fechei as portas e janelas. Afastei intrusos. Estou no meu legítimo direito de amargar, sem desejar remédio, consolo. Meus colegas olham-me nos olhos. Algo que me dói. Fico à beira das lágrimas e só respondo "thank you, thank you", como se todas as palavras faltassem e faltam.

Falta tudo, Lunna! Uma brecha abriu-se, fiquei em pleno vácuo e não há sorrisos que me conquistem... crianças olham-me nos olhos e ficam sorrindo para mim, na escola da minha filha, não ouso devolver os sorrisos, pois sairão falsos demais, procuro por doces palavras, procuro uma doçura que se perdeu...

Com a certeza de que esta doação que faço de mim, em forma de carta, será abarcada, embalada, tratada como o mais raro dos brilhantes, eu me vou... e deixo-lhe um abraço.

Suzana


Por Suzana Guimarães