(fotografia, por SCG) |
sexta-feira, 26 de outubro de 2012
ELE, A LIBIDO E EU
Eu queria um tempo para poder entender, eu queria escrever cartas, enviá-las e aguardar o retorno. Eu queria pregar alguns botões de roupa, cheirar o perfume que comprei... mas, compreendo que o tempo todo do mundo não seria suficiente para meus cálculos infinitos, um tal de dois mais dois são quatro. Não escrevo cartas, envio mensagens rápidas por telefone, não cumpro promessas e não vejo outras tantas alheias serem cumpridas. Ando me deixando por aí, naquele aeroporto onde fiquei em desalento; no consultório da dentista; naquele cinema que fui com a minha mãe; no estacionamento da faculdade - realmente, cismei com o lugar, como se eu caminhasse no deserto nu.
Ando me deixando aos poucos, e eu queria mesmo era andar toda compactada. Eu queria ser um tanque de guerra, mas os ventos sempre foram mais fortes, desfragmentaram-me em assovios finos, em barulho de balanço, daqueles antigos, de dois lugares, com almofadas quadradas, geralmente vermelhas, em ferro branco, num vai-e-vem cadenciado, criando um barulhinho sem fim, bem compassado... esse barulho, ando ouvindo na academia; as entradas de ar no teto levam-me à varanda da casa da minha avó, décadas atrás.
Quando eu caminhava solenemente para ser compacta, um trator, ele chegou.
A cor do cabelo dele combina com tom de boate, com casais aos beijos, dançando, na beira do porto, onde eu vi aquela moça levantando cadeiras, varrendo o chão, limpando e parecendo dançar, sim, ela parecia dançar. Só se via o que as cortinas de plástico transparente permitiam... a balsa ia ao longe e ao longe eu fui atrás dele. Pergunto-me se ele poderia sentir que eu dançava com ele.
Ontem, fritei bifes. A cozinha ficou impregnada de óleo e carne, mas eu pude sentir o cheiro dele, assim que me abaixei no chão para pegar uma panela no armário. E eu pensei no tanto que tudo pode ser não crível e por isso não entendível. Não é um cheiro que se compra nas farmácias ou lojas, nem se fabrica no balcão da pia, nem é ofertado pela natureza. Não é o cheiro da recordação, do perfume do primeiro namorado ou das merendeiras escolares. É o cheiro dele; que sinto quando o toco e depois, disfarçadamente, tento gravá-lo no olfato.
A moça limpava a boate de quinta categoria para a noite que se anunciava - e eu fui até ele, em pensamento.
Ontem, ele se aproximou de mim?
Naquela balsa, eu teria todas as palavras do mundo para ele, ou somente um convite para nos arriscarmos naquela espelunca. E eu poderia então enfiar meus dedos naqueles cabelos, puxá-los, me apertar contra ele, boca na boca, aspirando aos pouquinhos a sua pele que me fascina. Ou seriam os olhos, o corpo todo?
Eu não sei bem se ele se aproxima de mim ou se sou eu que, sem tempo, sem romance, sem sexo, sem namoro, sem risadas na madrugada, sem libido e grito oscilo entre o tanque de guerra e o vento, entre ser e morrer, entre o que se queria e o que realmente se tem, naquela mesma distância da balsa para a boate, que só aumenta e se vai.
Por Suzana Guimarães