fotografia, por SCG |
domingo, 5 de setembro de 2010
DO(r) AMOR, GOZO
Suzana Guimarães
Ninguém partiu. Nem ela. Nem ele. Era tempo do ciclo. Ela passava tranquila. Era noite alta.
Outra moça, outra moça bonita, Lara, clara, recitava na praça um poema de dor. A moça que andava não percebeu quando ele chegou. Veio rápido, feito raio. Pressionou-a na parede. Ela, um degrau de porta acima, sentiu o corpo todo e todo ele. Chovia fino.
Poucas pessoas passavam, ninguém via a intrepidez, o desejo terso. Às vezes, os céus comprometem-se.
Ele havia voltado e ela novamente sentiu água na boca. Aquelas palavras, rajadas de palavras, perfumes em letras, fortes, homem lúbrico. Palavras ao pé do ouvido. As águas desciam internas, da boca, escorrendo corpo abaixo, alma abaixo, e retornavam paradas em meio às coxas. Suspensas. "Inside".
Ninguém partiu. Vício não é brisa. A voz da moça, olhos grandes, "kajal", unha marrom, recitando poema de amor. Era madrugada, chovia grosso.
Ele pensava ver visão, apalpava para ter certeza. No peito, projeção de um filme antigo. No corpo, verdades que não lhe cabiam, saltavam aflitas. Corpo perdido na rota. Imagem do fantasma, refletida na retina. Gosto de chuva na boca, gosto da chuva que só desagua lá fora. "Outside".
Ele a segurou com os olhos, a comeu com as palavras. Ela via a outra moça, a moça clara, ao longe, girando com a praça. O relógio branco em neve invertendo o tempo, aquele entre o parado e o que girou - suspenso. Chovia intenso.
Os passantes se foram, ficou a voz da moça e os dois. Ficaram dois corpos presos, encurralados em seus próprios braços que se confundiam. O vestido dela ficou. Saíram as rendas finas, os cordões, os anéis. As fitas. Caíram ao chão. Ela nua. Ele em terno. Ela crua. Ele interno.
Ela abriu a boca, ia gritar. Gritar para ele partir. Gritar para ele ficar. Ele emudeceu. As palavras migraram. A moça, a outra, Lara, a clara, na praça, recitava poema de gozo. Inundação.
Um córrego desaguou num rio que virou um mar. Ninguém viu água, ninguém viu as dádivas, as árias.
Ninguém partiu. Nem ele. Nem ela. Era tempo do cio.
P.S.: o nome Lara, uma homenagem a LARA AMARAL, do Blog TEATRO DA VIDA.
31 comentários:
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Suzana,
ResponderExcluirA Lara deve ter gostado de sua alusão-homenagem nesta mansa prosa.
Um beijo.
'os céus comprometem-se'... com o azul, o sol, a lua, as estrelas, a lua, a chuva... basta tirarmos prosa e poesia dos céus! E cios!
ResponderExcluirSimplesmente maravilhoso!
ResponderExcluirPara mim o melhor que vc já escreveu aqui!
Perfeição!
GK
Sabe o que eu penso? Que voce é uma otima pessoa para conselhos sabia?! rsrs posso estar errada mas isso nao me sai da cabeça =) E eu que vivo passando por maus bucados seria uma pessoa que pediria palavras amigas pra vc toda hora haha beijao querida!
ResponderExcluirUm córrego desaguou num rio que virou um mar. Ninguém viu água, ninguém viu as dádivas, as árias.
ResponderExcluirMorriiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii, Suzana...
Isso é um...um...mais gostoso de se viver.
Ter.
Experimentar.
(Suei aqui rs).
Su, você escreve lindamente, meio clichê, mas não canso de repetir isso.
Eu sempre me disse, que pessoas que conseguem escrever assim, colocar a alma nas palavras, se desnudar, são pessoas que tem uma alma linda.
E são almas raras.
A sua é isso, raridade.
PS:
Cá pra nós, eu tbm já tive um Chico.
Francisco...ele escrevia, tocava violão pra mim...foi meu primeiro AMOR.(Eu 18, ele 24)
E sinceramente, talvez o unico que eu tive.
Foi um amor lindo, mas sofrido.
Nunca gostei de comentar sobre isso , mas engraçado que falar hoje com você, não me dói mais.
Olha quantos anos se passaram...mas ele foi um amor, daqueles que marcam como se marca um gado.
A ultima vez que nos encontramos (Isso deve fazer uns 7 anos), nos olhamos, e era como se tudo aquilo voltasse a tona.
Fugi dele o tempo todo (casamento da minha prima, que é dele por parte de pai).
Ele é casado, tem duas filhas praticamente com o meu nome...acredite.
Enfins...foi bom ter voltado a essas lembranças...
Descansa, minha lindaaaa!
E volte, renovada.
Um beijo de quem te gosta demais!!
Menina, você se supera...
ResponderExcluirLi de um só folego, pra ele não faltar...
Me sentei nessa praça a observar, senti a chuva,
Me encantei com o frenesi...
bjo
Ulalá!!!Uauuuuuuuuuu...mas esta moça arrasa, não escreve...Maravilhoso!Beijocas brasileiras e bom feriado para nós!7 de setembro!Eba!Mais 2 dias para descansar!!
ResponderExcluirBia
Escandalosamente bom, minha querida!
ResponderExcluirPra ser perfeito só faltou o cara usar cartola e e se chamar Teopha!
Beijão
Quando leio assim coisas, fico silencio!
ResponderExcluirSuzaníssima!
ResponderExcluirEu me deixei enredar nesses teus sonhos tecidos com amor. Que coisa mais linda.
BeijooO*
Su,
ResponderExcluirOlha a aquariana desligadíssima dando o ar da graça. Como não achei esse espaço antes? Gosto tanto da Lily, que não vi o medo de Suzana, mas que cilada, agora! Lily ou Suzana? Na dúvida fico com as duas.
Que maravilha esse texto! Impecável do início ao fim, coisa dos céus comprometidos.
Bjocas
Que envolvência!
ResponderExcluirLiiiiinnndoooo!!!!
Beijo :)
Hoje eu passei na casa da Lilly, como ela não estava...
ResponderExcluirÉ que "segurar com os olhos e comer com as palavras" sempre é tão bom...
um bjãOsãO
Uau, não acredito! Um de seus textos mais lindos, e ainda por cima, dedicado a mim?!
ResponderExcluirEnvolvi-me, saboreei, vislumbrei... estou até meio tonta, afe...
Moça, vc é demais!
Beijo daqueles, estalados, e muuuito obrigada!
Ps.: Posso levá-lo para a minha galeria de presentes do blog? Aquela no canto inferior direito da página, onde coloco uma foto minha e o texto que ganhei ou que escreveram dialogando comigo.
Lara, minha linda!
ResponderExcluirQue página chique esta que você tem! Fui lá agora, nunca tinha reparado...
Para mim, uma honra você ter gostado e ter desejado levá-lo para casa. Pode levá-lo, minha flor.
Flor, menina linda, fofinha... o texto surgiu por sua conta. Você me inspirou quando postou o poema "ENTREOLHARES". Senti, ao ler o teu texto, um empurrão daqueles contra a parede, vi duas mãos me pegando pelos braços, me envolvi com aquele tanto de "entres", uma coisa doida e eu tive que escrever. Não escrevi na mesma hora, já era tarde para mim, mas aquilo ficou pulsando até o desfecho que foi dar por escrito e encerrado o texto.
Escreva mais assim e me leva, me inspire.
Eu, sem falsas modéstias (odeio qualquer coisa falsa), simplesmente adorei esse texto que fiz. Eu o fiz com um leve sorriso nos lábios e continuo a sorrir quando penso nele.
Obrigada, obrigada!
Suzana
Olá Suzy: lindo texto Lara deve estar feliz adorei.
ResponderExcluirBeijos
Santa Cruz
Lily
ResponderExcluirNão partiu
foi ...
mas voltou.
Um beijo e... saudades
Lindo.. maravilhoso!
ResponderExcluirBeijo
Estou tão cansada. Estou esgotada, é assim que me sinto. Preciso parar. Mesmo quando o silêncio se faz, continua tanto barulho dentro de mim, uma orquestra. Não consigo fazer silêncio...
ResponderExcluirSuzana,
Eu já me senti tão assim.
Esgotada, entregue, me entregando, eu nem sei direito a palavra a ser usada.
Mas me senti esgotada. De fisico, de alma, de vida, das pessoas, de mim mesma.
Mas sabe o bom disso tudo?
É que tudo isso passa.
Engraçado falar que passa, quando se tem na pele uma porrada de cicatrizes, mas é verdade.
E são elas que me fazem ver, o quanto realmente as coisas passam..
O esgotamento sai, e entra o fortalecimento.
Sabe aquela coisa, aquele impulso vital que tira a gente disso tudo e joga a gente de volta pra cima, pra vida, pro ar?
Ele vem. O impulso. Que abre o pulso pro sangue voltar a correr.
Bombear.
Te deixo as palavras de Clarice:
Mas estou cansada, apesar de minha alegria de hoje, alegria que não se sabe de onde vem, como a da manhãzinha de verão. Estou cansada, agora agudamente!
Vamos chorar juntos, baixinho. Por ter sofrido e continuar tão docemente. A dor cansada numa lágrima simplificada. Mas agora já é desejo de poesia, isso eu confesso, Deus. Durmamos de mãos dadas. O mundo rola e em alguma parte há coisas que não conheço. Durmamos sobre Deus e o mistério, nave quieta e frágil flutuando sobre o mar, eis o sono.
Meu abraço, minhas energias POSITIVAS, meus retalhos de amor, minhas mãos, minhas asas,meu carinho, o melhor de mim.
Hoje, tudo isso vai pra você!!
Muuito bom!! Gostei muito! Intenso, carregado de sentimentos e situações...e muito gostoso de se ler!!
ResponderExcluir[]s
1º vez que visito o seu Blog e dou de cara com esse fabuloso texto. Tenho certeza que sua essencia é pura, rica , a nitidez das palavras gerou em minha mente cenas jamais vistas. Qdo se enxerga causa esse impacto!
ResponderExcluirsimplesmente lindo.
ResponderExcluirfazendo minhas, as suas palavras: - perfumes em letras !
Sensacional.
beijos
Maravilhoso textoo *-*
ResponderExcluirEu me sinto em casa aqui.
Amo ler, ouvir.. histórias assim...
Beeeijo*-*
Suzana! Tudo bem?
ResponderExcluirQue texto lindo! Parabéns! Você tem um jeito leve e envolvente de escrever que nos leva a entrar na história e imaginar a cena.
Vi até cores na fina chuva que caía...
Muito bom estar por aqui.
Um abração!
Menina,
ResponderExcluirque delícia de conto! Lambuzei-o todinho, do início ao fim!
E viva o tempo do cio, que o resto é tempo que pode esperar!
Bravo!!!
ResponderExcluirAdorei, Suzana. Final otimamente escrito!
Ei!
ResponderExcluirPassando pra deixar um bj
eu idem também não parti, me liquidifiquei nas palavras umidas, me afoguei no fogo das tuas águas levam, mas não lavam. Lavas vulcanicas ardendo as veias do desejo. Fiquei na calçada da fome e bebi as noites vestidas com tua prosa, vi fora o que me vinha dentro...
ResponderExcluirvolto, mas ainda não parti.
dificil é sair daqui.
você faz parecer fácil o inominável.
bom demais
abs
Ah, que mulherada mais deliciosa que encontro nesse universo virtual... ler vocês me faz ter descobertas maiores do que quando escrevo, não duvidem!
ResponderExcluirSuzana, não haveria melhor indicação para esse anoitecer nublado do centro do Brasil...
Beijos, querida... adorei receber o email, as visitas... isso é bom, faz a gente retornar!
;*
Álly.
Belíssimo! Tua escrita é puro encanto. É maravilhosa.
ResponderExcluirBjos!
Dois anos depois de publicado eu venho aqui comentar. Nada que eu escreva já não está aí em cima."Ela nua. Ele em terno. Ela crua. Ele interno." Queria ter ecrito isso, aliás, queria ter escrito o texto inteiro, com a homenagem a Lara e tudo. Vc é fantástica, Suzana. Obrigado.
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