quarta-feira, 10 de julho de 2013

Uma carta para R.

 
 
Raíssa Medeiros, fotografia gentilmente cedida
 
 
Em algum lugar do passado, julho de 2013.
 
 
 
Querido R.,
 
 
Eu vou gritar! Diga-me, diga-me o que fazer, pois foi-se o tempo em que eu acreditava em gritos. Na realidade, você bem sabe, jamais acreditei. Cavalos aprendem aos sussurros... o mundo é um grande silêncio, presente dos deuses, mas que ninguém vê ou valoriza... se fôssemos mudos, nós, os humanos, não teríamos tantos problemas. Mas, vou gritar. Gritar, gritar, gritar até perder a voz, para sempre. Só assim.
 
Por que eu lhe escrevo? Por que não telefono? Por que não o convido para um café? Um chá? Um passeio, uma viagem, uma luta no tatame, um treino... porque há o tempo para todas as coisas e encontro-me em pleno descascar de espinhosas frutas. Pela demora no ato, posso vir a encontrar fraco suco ou gosto amargo; talvez podre.
 
Insuportável mesquinharia humana me alucina, tira-me o eixo e eu nem sei mais se digo que a manhã se faz fresca ou a noite aconchegante. Então, escrevo para você. Talvez, este seu humor irreverente e esta sua mania prática de ser venham a me salvar. E tua doação. Sei, sei, andamos cansados, mas sabemos carregar malas. Simples, não é? Não prometemos, fazemos.
 
Doamos aquelas sacolas de quimonos, e hoje, negam-me dois emprestados, mesmo que surrados e rasgados. Doamos nosso tempo e nossas empreitadas, e hoje, dizem que há preço para tudo, valores que se discrepam, muito acima do real. Estão vendendo caro, estão pedindo muito, estão se omitindo bastante, cobram demasiadamente e em algumas vezes, gritam por moralidade enquanto bolinam por detrás de pesadas cortinas em xadrez.
 
R., estão apontando o dedo para mim, dizem o que devo fazer, a carta a oferecer, jogam comigo como se eu nunca houvesse jogado. Na grande mesa de pôquer, perdi, me confundi entre caras. No tatame, na beira dele, deram-me uma rasteira, bem antes dos cumprimentos. Falam em dinheiro e gritam. Fui jogar pôquer pelo prazer do bem viver, mas os cães continuam roendo os ossos e arrotando inverdades. Não sou pura, se eu pudesse, mataria a dentadas, não antes de avisar da morte. Sim, eu aviso, sempre fui assim, não é? Mas, hoje, quem manda é quem fica na virada da esquina, onde pouca luz se vê. Quem manda é quem nunca se revela.
 
R., os loucos estão soltos e gritam que louca sou eu.
 
 
Por Suzana Guimarães.


P.S.: a boca secou, perdi a saliva.