quinta-feira, 18 de julho de 2013

QUANDO NASCE O MONSTRO



Ontem, ouvi uma história. T. contou-me que sua mãe, na casa dos 40 anos, um dia, surtou e sumiu. Sua mãe havia se divorciado quando T. tinha 9 anos. Aos 17, T. teve um filho após dar imenso trabalho para ela, sua mãe. A avó, quando viu que estava tudo muito bem encaminhado, a criança já estava grandinha, desapareceu. T. a entende perfeitamente e diz que também sumiria, hoje, se fosse possível... mas, ainda não é. Essa mulher de 40 anos telefonava para dizer que estava tudo bem e namorou, viajou, trabalhou, ficou mais bonita. Um dia, voltou. Mas, nada mais é como antes, pois ela virou o monstro. Um sábio monstro, dita as regras da sua vida, não tolera conversa sem fim e só cozinha quando quer. Trabalha, viaja muito e não aparenta a idade que tem, até engordou. O que ela faz? Sopra o seu bafo de cansaço na cara de quem lhe incomoda e não permite mais, às vezes, dá alguma licença.

Cansaço do abuso, da falta de limites dos outros. Eu também sou um monstro, apesar de ninguém acreditar ou ver. Engano bastante. A fraude não faz parte do meu caráter, mas há coisas em mim muito incontroláveis. Não posso contra a minha aparência física, meu bom humor e a minha velha mania de rir de repente, das coisas boas e até das ruins. Isso é bem de família, assim são as mulheres da família da minha mãe. 

Durante o tratamento com meu psiquiatra, ele disse: "Cuidado, Suzana! Pessoas que se curam deste seu mal, costumam virar 'monstros". Graças a Deus e a você, Dr. J., eu virei, e mantenho esse monstro atado a mim, em constante vigília.

Quando eu disser sim, é afirmativo. Quando eu disser o contrário, acredite. Quando eu disser talvez, dê-me um tempo para pensar, saia de perto, não atole de palavras os meus ouvidos. Quando eu pedir água, por favor, não entenda nada mais além disso. Queima os manuais ridículos que ensinam a tratar as mulheres de outra maneira. Bom, quem sabe, para a maioria, o manual encaixa-se perfeitamente, mas para mim e a minoria, não. Não é não e sim é sim. Apesar de escrever muito por entrelinhas, não vivo nelas. É só poesia. Poesia...

Não me fale o que já sei, quero o que ainda desconheço. Não brinque com os meus sentimentos, posso vir a queimá-lo com meu bafo quente, antigo, velho, conhecedor das almas, sou o rio velho, onde muitas se jogaram. Saiba sempre, que mesmo nesse caso, pouparei você do pior, guardarei para mim, debaixo das minhas roupas os seus fedores. Isso é outra característica incontrolável, alheia à minha vontade. Nada posso fazer se posso sabê-lo sem ao menos vê-lo. 

Venha comigo, simplesmente, venha. Não finja que me deseja, pois eu posso acreditar. Não finja que não me deseja, pois eu posso decidir crer, feito discípula fiel. O monstro nasce quando descobrimos que só nós mesmos podemos nos machucar. Eu me machuco quando permito, eu me curo da mesma forma, pois, lamber ferida é algo absolutamente normal, mas desaprendi a amar. Não sei amar porque isso exige planos e eu não tenho mais planos. Eu nunca mais convidei alguém para viver uma história comigo, eu somente chamo para ir ali. 

Você é capaz de ir ali comigo?


Por Suzana Guimarães