Fotografia gentilmente furtada de Rodrigo Rolim |
domingo, 2 de junho de 2013
EM MIM
Em mim, um tempo passado, incógnito, um todo que
hoje é nada, por tudo que passa e às vezes resulta. Nada, nada, tudo vago pela
desmedida da importância. Uma ponte branca que atravesso, e a esquina, a mesma,
de ontem, de hoje, como se tudo fosse igual, mas não é, não é somente fato, é
sensação. Refaço passos que nem mais existem.
E vó
chamava para o almoço, logo após o verdureiro largar a cesta pesada no chão e
tocar a campanhia que eu nunca ouvia; apenas o barulho do cesto, o fôlego do
homem cansado... e o som do balanço de dois lugares. E hoje, os galhos dos
eucaliptos sacudiram suas folhas, e, no meio da rua, parei e ouvi; o mesmo som,
inclusive meu pai dizendo, “ouça o balançar das copas das árvores”... o mesmo
vento, tempo vivido, nem ontem, nem hoje, eterno.
Nada,
nada que a tarde não engula e não me faça recordar, digestivamente. O riso
estampado da minha mãe a dizer, “aguarde maio”. Um mar de folhinhas verdes
abrindo o meu caminho, atrevidas e sorridentes... e por elas, eu passo, como
passei a vida toda e tantas outras.
O que há
no som e na falta dele que nos agrega neste mundo de tudo ou nada? Lembrança.
Na
ponte, gaivotas sobrevoam o riacho que atravessa, mas, lá, só voavam pardais ou
andorinhas.
E a
minha outra avó dizendo: “olha, olha as noivinhas”, e eu pensava que pássaros
eram todos os mesmos, até o dia em que compreendi que cada um nos vem e nos faz
confidência.
Escuto a
ave que se esconde. Escuto passos e o choro de um cão. A velhinha fixa o
nada e eu a olho. Tudo transformável. Não há mais verdureiros e nem Benzico, o
padeiro. Às vezes, um som ao longe, melodia saída de um carro, cujo motorista
vende guloseimas; o barulho que a onda faz quando alcança a praia e vozes que
parecem cochichos... É o tudo da minha existência; e é o nada.
Não há
olhar mais adiante que o meu, imbuído de mim.
Em mim,
um único som, dentro do peito, pêndulo do tempo sem fim.