O inverno pouco a pouco acomoda-se no deserto em que vivo, mas quase nada ainda sei desse frio. Estou bastante reclusa, sentindo prazer enorme no ato de cerrar portas e fechar cortinas. Nada metafórico. Sinto prazer quando minhas mãos descem e lacram persianas. Não é depressão, pois estou bem, apenas hibernando, olhando para dentro. Não! Não se trata de um olhar para dentro, mas sim de um olhar através. Não há espelhos me bastando, meu olhar ultrapassa qualquer reflexo.
Mudei em todos os sentidos e não houve ritual de passagem de ano, seis anos não se passaram, voaram pela janela onde eu só olhava a vida e desejava. Parei com toda a tolice de sonhar, que me perdoem os entusiasmados! Sonhar é grande tolice.
Como se eu tivesse me transportado para outra dimensão e eu nem cogitava sair do lugar... Tenho a inércia dos gatos, movimento-me apenas quando absolutamente necessário. Foi em um 'não sonhar' que eu troquei de capa, pele e tripas. Foi uma decisão sem quimeras, um correr solto de atitudes, o destroncamento de dogmas, o repúdio ao medo, a certeza de que eu tinha a obrigação de sair do lugar, mesmo não havendo aparente necessidade. Nem sei ao certo se foi num dia em que eu olhava a rua pela janela ou se foi no dia em que me deitei num sofá apertado, numa tarde insossa, e fiz uma lista enorme, quase tudo da minha vida, de tudo aquilo que eu já não suportava mais. Não havia sonho, apenas desgosto.
Houve mudança material e geográfica, mas a principal foi o desgarramento. Eu tinha dois grandes sonhos na minha vida. Eu os carregava para todos os lados. Agia em função deles. Dediquei-me a eles, rezei, lutei, chorei, forcei, vivi como lunática, perdi horas no esforço de alcançá-los. Ganhei enfastio. Exauri-me. Tudo me cansou muito mais que os dias mais quentes de um verão no deserto, muito mais que viver nos limites das forças, entre o continuar e o esticar-se no chão, rendida.
Cansou-me a sapiência do desnecessário. Quanta coisa fazemos desnecessariamente? A maioria. E essa maioria vem da ânsia dos sonhos. "De tudo o que você imagina não irá acontecer noventa por cento", dizia meu pai, quando eu era uma ansiolítica menina de 18, 19 anos, filha de um também ansiolítico, com certeza, ele estava sabendo o que dizia.
Desnecessários sonhos! Pesaram-me como as trouxas de roupas das lavadeiras que eu via passar. Aquelas mulheres fortes, de corpo em riste, olhar ao longe, passo firme, cabeça erguida...
Houve o mérito, mas o prazer do desprender-se do peso é absurdamente maior. Era tudo muito precioso para mim, vital, hoje, só lembrança. Recordações do tempo inocente da crença.
É inocente crer, porque é entrega cega. No meu caminho sem volta larguei a trouxa, a ladainha dos pedidos, o próprio caminho. Eu ainda creio, mas não sonho, não traço mapas, não aspiro, apenas vivo, e, apenas viver é sempre mais leve e livre.
Por Suzana Guimarães