sexta-feira, 22 de junho de 2012

O inesquecível dos amores é aquele que acontece sem estardalhaço, que cozinha em fogo brando, sem alarde.

Suzana Guimarães - arquivo pessoal

Você ainda me ronda e eu a ti. Vêm os sonhos, lembranças inoportunas nos dias singulares. Vêm recordações, recortes do longo tempo de um amor calado. Talvez seja você quem se senta à beira da minha cama e tenta me dizer mil coisas, mas, se vai, desesperançoso de minhas respostas, pois eu durmo e eu me assusto e eu não gosto de vultos, mesmo que de amor.

Sonhei com você, noite passada, e por isso, só por isso, um simples sonho, eu irei carregá-lo pelo dia que segue, irei recordar tudo o que se foi. Às vezes, até paro para lembrar melhor, para captar mais forte... No sonho, o mesmo você. Meus amores se desbotaram ou perderam o feitiço. Alguns, nem reconheço e me pergunto se eu gostei mesmo, se foi tão intenso como parecia ser; hoje, tudo feia carcaça. Mas, você... Você se mantém, nem belo e nem feio e muito menos útil e eu que tanto admiro a frase do poeta*, pergunto-me a razão de você ser assim para mim, uma permanência, e isso é muito.

A música diz "você foi o melhor dos meus erros", sim, você foi. Eu fui a tua maior coragem e você, o maior e melhor dos meus desacertos.

Tenho 45 anos, e tenho certeza de que, aos 70, diante do mar, sentada, sozinha, lembrando, revivendo a minha história, eu vou me lembrar de que fui capaz de ultrapassar linhas divisórias, fui capaz de quebrar regra, ignorar normas, enlouquecer serenamente, por um dia e um pouco mais, e que isso foi e será um de meus orgulhos e você me ajudou a protagonizar isso, essa façanha, esse gostinho de que sou humana e cometo erros e que um erro pode ser uma bênção.

Sou quase um cálculo, eu me fiz, eu fui me fazendo, alguns ajudaram, outros, não, poucos construíram junto, e eu consegui manter tijolos internos quase que bem alinhados, quase que bem aceitos por mim mesma... e você sabe que eu calculo, apesar de ser péssima em matemática - isso, eu não sei se você sabe.

Mas, você não é um número a mais ou a menos, você não é conta que se faz, matemática que se apaga, ou talvez, somos nós dois juntos que resultamos tão bem! Você não multiplicou em mim, nem dividiu (nem isso!), jamais subtraiu, nunca pensou em somar, não foi incógnita e nem questão fácil. Você não foi o número zero, e não é sequer meia dúzia deles. Você é um número permanente, fixo, que carrego comigo porque quero, que não esqueço porque seria tolice.

Talvez, você não seja todo este texto que lhe dedico, e eu apenas o contenho por ter aprendido a difícil arte de amar sem esperar algum troco, entendi que amar alguém não significa somar e subtrair (essa conta é caminho certo para o desconforto), mas apenas resultar. E, hoje, você resulta para mim como resultou tantos anos atrás, naqueles inesquecíveis dias, inclusive naquele momento presente, existente, nem um dia a mais ou a menos além daquelas horas que batiam ao nosso lado: meu melhor erro.


Por Suzana Guimarães

* A frase do poeta John Ruskin, "não toleres aos pés de ti, nada que tu não aches belo ou que não lhe sejas útil."