(fotografia por SCG) |
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
Uma carta para F.
Los Angeles, 12 de outubro de 2015.
Querido F.,
Como tem passado nesta ilha ainda sonhada por mim? Espero que bem. Às vezes, pego-me lembrando daquela história que você enviou-me para eu ler e dar a minha opinião, acredita? Os dois personagens principais se misturam a você, criando assim um terceiro que eu não sei se desconheço.
Descobrir ou mesmo lembrar que hoje é seu aniversário foi uma espécie de acordar - como se eu estivesse dormindo, mas eu não estou dormindo. Repeti novamente para mim mesma, "Que bela data para se nascer!". Hoje cedo a minha mãe, ao telefone, enviou beijos aos netos e a mim também, na altura dos meus 49 anos... senti uma pontada de alegria que nem sei lhe explicar. Sei que por um momento, alguns segundos, ela transportou-me para um mundo ao qual conheço.
Sim, F., há bastante tempo - não ouso lhe contar o tanto -, estou "como se estivesse dormindo, mas não estou...". Talvez isso possa explicar - esta carta lotada daquela que você conheceu, mas que estou sempre a sufocar para que não viva -, a razão de eu não ter ido ao seu encontro em minhas férias de verão.
Sufoco a antiga Suzana deliberadamente porque preciso do tempo para cuidar dos meus filhos, da casa que andei abandonando, e de um não sei o quê que me toma toda tarde e obriga-me a vagar em um nada improdutivo. Saudades eu tenho de sentar-me em frente ao computador e escrever... saudade eu tenho de alinhar palavras, ou mesmo desalinhá-las só para sentir o prazer de estar bem viva. Mas, ao contrário disso, ausento-me e para me sentar aqui, tive que ajustar minha cadeira... todos por aqui se sentam, menos eu.
Houve um luto amargo, a perda também de algumas pessoas queridas e grande decepção com gente que andava em meu íntimo... e, durante isso, não havia tempo para mim, pois muitas eram as obrigações. Tudo mecânico, entretanto. Eu respirava e dizia para mim mesma, "Só hoje, amanhã, talvez, eu desista." E assim passaram-se meses, anos...
Agora, dedico-me mais aos filhos, mais ainda que no passado (engraçado isso!). Quando penso que voltarei ao mundo de Suzana descubro-os precisando de mim de forma emotiva, psicológica... tolice pensar que é no começo da criação que mais nos dedicamos a eles. Hoje, construo um homem e desenho em rascunho uma muher (ainda é criança, graças a Deus!).
Eu não pude ir. Eu não poderia ir. Ninguém pediu para que eu não fosse. Entretanto, a presença triste deles em muitos momentos, quando era para ser dias de só alegrias, prendeu-me a ferro. O Brasil já não é para eles o melhor lugar para se estar. Os vínculos se apagaram, os amigos evaporaram e a certeza de que tudo parece sem sentido reina em nosso mundo quando estamos aí. Para mim, também. Mas, eu me salvo encontrando pessoas queridas. Ainda as tenho, e ainda as quero perto de mim.
Lembro-me de você, sinto falta de nosso contato que muitas vezes fica escasso, penso em livros, em histórias de arder, céus azuis, fogo de querosene a queimar nas varandas, os outonos que parecem eternos, a fuga para países exóticos, a mesmice do balanço de uma rede... Agradeço-lhe este momento, hoje, agora, em que me sento para lhe escrever como presente de aniversário. Agradeço sua leitura atenta, o suspiro que dará, o breve sorriso.
Feliz Aniversário!
Grande abraço,
Suzana
Por Suzana Guimarães