domingo, 29 de janeiro de 2012

SOU ÁRVORE, NÃO CONHECI O REI



Meus textos são frutos que caem de mim, árvore velha e marcada, quase amarga ao toque, porém, ainda cheia de flores e frutos. Alguém me lê na Romênia. Acredito que seja a mesma pessoa, nem sei por quê. Lembro-me então da bailarina que dançava para o rei. Mas, eu não sou bailarina, e não existe o rei, sequer cheguei a segurar a coroa por entre as revoltas dos meus cabelos... nunca fui a amante preferida ou cortesã desejada. Nada vi de mil noites, e por mim, ninguém montou em um cavalo para me salvar, eu me salvei sozinha, todas as vezes, as incontáveis vezes, e gravei meus atos, no livro dos sonhos, para não me esquecer. E também desconheci o desespero da exigência da lembrança, não houve reis para me cobrá-la. Sou apenas aquela que passou, correndo por arvoredos, mergulhada nas sombras da noite, aclamada pela valentia; sou aquela que matou quem se atreveu desejar ser rei, aquele que morreu de medo, e, medo é o meu escudo, meu punhal e meu próprio túmulo. Sou aquela que matou o rei que não existiu. Dos novecentos fantasmas, nenhum apareceu para me assustar, inclusive o rei, que me daria o susto do amor. 

Mais provável que assim seja, um único leitor, absorvido pelos frutos que deixaram a árvore, ou, entretido com o reflexo que vê. Ele ou ela me lê silenciosamente. Quando venta em meus galhos e minha copa balança freneticamente, eu me desgosto. Ando procurando saber até onde vão meus galhos, minha sombra, o odor que de mim, exala. Sei das raízes, mas, elas não me atraem tanto quanto antes, pois sei que viverei enquanto as possuir e isso me basta. Eu me desgosto com o barulho das ventanias porque causa em mim ânsia, por querer  saber até onde tudo em mim chega e o que posso ainda descobrir em todo aquele que em mim se encosta, em lânguido prazer, ou devassa revelação. Constato, ao ler o nome do país, que também passei por lá, e hoje, sou memória, sou o tempo estagnado.

Sou árvore. Não fui bailarina. Não fui amante do rei. Não roubei o rei. Não rezei para o rei, não entreguei meu corpo como oferenda, sou Suzana. Antes que ele pudesse estender os braços longos para me alçar, cortei a veia, e, hoje, corto a raiz da árvore. Que morra seca, sedenta, de tanto pedir por água.


Por Suzana Guimarães