(arquivo pessoal de Suzana Guimarães) |
terça-feira, 16 de outubro de 2018
NÃO AMO MAIS
Aquele amor que eu tinha pelas pessoas morreu, transformou-se em ampla compreensão, passei a entender todos sob os seus pontos de vista, embora nunca em detrimento do meu amor próprio, mas aquele amor morreu.
Acredito que tenho amor amplo, pelo todo, e profundo e sem chances de estrago por meus filhos. E só.
Excetuando meus filhos, não amo mais ninguém, compreendo, entretanto e sempre, entendo, oro por muitos que nem conheço, dou atenção, ajudo, amparo, apoio, mas aquele amor morreu.
Não sei bem quando foi, com certeza, não foi de morte súbita. Arrastou-se coitado indigente faminto antes de se extinguir.
Não me importo. Olho as pessoas friamente, quando vistas individualmente, embora ame o todo.
Não me iludo mais. Não espero. Não quero. Só compreendo.
Não tenho rancores, apenas sigo, em paz, tão estranhamente em paz que até me estranho. Mas sou eu, sobrevivente de inúmeros incidentes e acidentes.
Sinto minha respiração controlada, meus nervos seguros, meu passo firme e sigo adiante... alegremente por não mais sofrer de amor, não ter amor, não me importar com quantidades ou qualidades dele.
Compreendo, podem esperar isso de mim, mas não amo mais.
Aquele amor morreu.
(Suzana Guimarães)
domingo, 14 de outubro de 2018
quarta-feira, 10 de outubro de 2018
Os ombros suportam o mundo.
“Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.”
Carlos Drummond de Andrade.
Assinar:
Postagens (Atom)