segunda-feira, 24 de outubro de 2011

36 HORAS DE CONSULTA PSIQUIÁTRICA AO LONGO DE 10 ANOS...

(SCG fotografada por Ana Diniz Echabe)



Meu cabelo é marrom escuro, mas a partir do momento em que os brancos começaram a aparecer, eu comecei a colorir minha cabeça. Ora preto, ora vermelho, dourado, Henna e hoje, um cabelo totalmente artificial. Ficou loiro demais, loiro quase branco, apesar 
do fundo escuro... Mas, eu estive pensando que isso não é de todo ruim. Esse detalhe falso talvez faça bem em mim, uma pessoa tão transparente, tão nua, desprovida de máscaras.



Há quem diga que tenho armadura, que sou dura demais, crítica demais, mão pesada. Há quem esconda e não diz, mas deixa claro que não tolera minhas rebatidas, minhas palavras ácidas que caem da ponta da língua, minhas opiniões sinceras e francas, sem dó. Nesse último quesito, defendo-me: não falo tudo o que eu gostaria de dizer, nunca fiz isso. Deixo muita coisa por dentro da manga da camisa, para uma ocasião propícia ou enterro para sempre, por delicadeza. Mas, há quem saiba, isso há, que também sou eterna menina, em saia de roda, leve, serena.



Ninguém fica do jeito que fiquei por acaso ou por nascença. A gente vai se transformando, no meu caso, houve ajuda profissional, competente, humana, um médico que me salvou de mim mesma, de meus medos, de minhas fugas sem rumo.



Trinta e seis horas, ao longo de 10 anos, consultando com Dr. Jorge Paprocki, médico residente em Belo Horizonte, Brasil. Trinta e seis horas que empurraram-me, primeiro, em direção a mim mesma, para 'des-cobrir' o que eu não enxergava, segundo, para me conduzir 'armada, adequadamente armada', para o mundo.



Houve o uso de remédios. Medicação que ainda faço uso, mas simplesmente porque quero, porque quero sempre melhoria de qualidade de vida, e, em doses pequenas ajuda a manter uma certa flegma neste mundo frenético.



Trinta e seis horas? O que são trinta e seis horas? Não chegam a dois dias.



No dia em que ele me falou isso, ao telefone, eu já morando aqui, nos EUA, não mais como paciente dele, fiquei perplexa. Meu marido ficou. Minha mãe também. Quem não ficaria? Até ele ficou. Por curiosidade, ele mandou a secretária dele fazer um levantamento e me enviou: duas consultas em outubro de 1995, seis, oito, duas, uma... fevereiro, março, dezembro... dez anos, e apenas um tanto de horas.



Um tanto de horas que me deixou assim, firme, determinada, por vezes dura (eu já escrevi que a vida não é um passeio singelo por campos floridos), por vezes medrosa. Claro, serei sempre uma pessoa que foi doente, um pé estará sempre lá, a sombra dele, mostrando-me que o pé poderá ir por inteiro, em carne viva ou mesmo os dois. Portanto, medo é um conhecido meu, que às vezes, me alivia, às vezes, me sufoca, faz doer o corpo todo, inventa doenças, desestabiliza, me faz acreditar que o chão em que piso não é de verdade, é utópico, e, de verdade, apenas algo quente e venenoso que corre pelas minhas veias, angustiando-me e me proibindo os movimentos, levando-me ao eterno 'deixa pra depois'.



Trinta e seis horas e realmente esse cabelo não haverá de me incomodar. Ele irá crescer, as raízes ficarão brancas pedindo retoques escuros e terei tempo, então, o suficiente para pensar se gosto ou não. Se a artificialidade caiu bem ou não.



Trinta e seis horas é muito pouco, mas o muito bom mora dentro de nós, na maioria das vezes, totalmente oculto, e as horas precisam correr, precisam existir, o momento, o ato, o movimento, o pelejar... para que possamos estar muito bem, mesmo que entre cercas, entre falsos, entre nós mesmos.




Suzana Guimarães