sexta-feira, 30 de julho de 2010

MENTIRA insistida, VERDADE inventada

                                       Suzana Guimarães


Um homem, que não prefiro mencionar o nome, um ser que maculou para sempre a alma da humanidade, dizia que uma mentira repetida centenas de vezes, tornava-se uma verdade.

    
Quando você mente para o seu avô, seu pai, seu filho, você mente e permanece leve em seu caminho. Essa mentira não o acompanhará. Ela ficará com o seu avô, com o seu pai, com o seu filho.

    
Quando você mente para si mesmo, você se sente temporariamente leve. Mais tarde, ao se deitar para dormir, ela, a mentira, deita-se com você, apaixonada, ela lhe dá amor, enlaça longos dedos em seus cabelos, eternamente enamorada. Você se agita na cama, o sono perturbado lhe incomoda, mas é apenas ela que insiste em lhe agradar, quer se fazer lembrada, e, para isso, relê para você histórias antigas. Pela manhã, ao se levantar, você se olha no espelho do banheiro e a vê sorrindo no reflexo brilhoso. Você come um sanduíche e ela lhe sorri, abraça um corpo, e ela lhe sorri, dirige o seu carro e ela lhe sorri. Ela é a sua mentira insistida mil vezes. Ela agora é a sua verdade. Ela grudou em você, no seu corpo, em sua alma, ela precisa apenas ser respirada. Ou você a inspira e a expira carinhosamente ou ela o devorará até o resto do fim dos seus minutos.


                                                    VAI


Vai...


Saia por aí
Falando mal de mim
Eu sempre estou,
Eu sempre espero,
Eu sempre fico,


Eu sou assim.


Eu sempre fito.
Eu sempre quero.
Eu sempre rimo.
Vai...
Saia de mim.
                                 Suzana Guimarães

terça-feira, 27 de julho de 2010

PERGUNTO

                             Suzana Guimarães

Como você vai se dar... Se você ainda não acumulou?
Como você vai entender... Se você ainda não perdeu?
Como você vai orar... Se você ainda não teve 
que se ajoelhar?
Como você vai se perder... Se você ainda nem se achou?
Como você vai amar... Se você ainda nem se perdoou?
Como voce vai falar... Se você ainda não aprendeu a ouvir?
Como você vai escrever... Se voce ainda não tentou?
Como você vai gozar... Se você ainda não se entregou?
Como você vai esquecer... Se você ainda nem entendeu?


Como você vai sair
por aí, na chuva,
Se ainda nem choveu?

PALAVRAS AO FIO

                                          Suzana Guimarães


O telefone chamou, chamou... até que ele atendeu (ele nunca atende, nunca também gostou de atender).
Eu não o toco. Pouco o vejo. Raro o ouço. Mas ele atendeu. Eu poderia ser a amiga dela, a irmã dela, a outra filha dela.
Mas eu era só eu e já sabia que ia ser um pouco triste, um pouco saudoso, um pouco difícil.
Ele perguntou o meu nome três vezes. Ele perguntou onde eu estava.

Depois, novamente, ele perguntou onde eu estava...

Eu respondi perguntando o que ele fazia.
Ele descreveu a agenda que conheço
E eu fui diminuindo, diminuindo...

Se tudo foi difícil, difícil,
Ficou a lembrança de que ele já havia me dado vida e também já havia me salvado (dado segunda vida). Foi o primeiro que me tirou dos braços da mulher de preto, aquela bruxa velha, tão terna!
E voltou a dor antiga misturada com alegria, histórias de um livro já antigo, tão escrito e desmanchado e reescrito.

Eu me despedi. Ele perguntou novamente o meu nome. Já não havia mais tempo para mim, há quem possa lhe derrubar com muito pouco. Custei a falar. A voz agarrou, fraca na garganta. O meu nome que ele tanto achava lindo! E, por fim,

De onde mesmo você fala?

segunda-feira, 26 de julho de 2010

O QUE AS MULHERES FAZEM QUANDO ESTÃO COM ELAS MESMAS

Postado por Manosca , do Blog "QUEM SOU EU?"- EU SOU O TEU ESPELHO!

(Um texto de IVAN MARTINS - Editor-executivo da Revista ÉPOCA)


"Ontem eu levei uma bronca da minha prima. Como leitora regular desta coluna, ela se queixou, docemente, de que eu às vezes escrevo sobre “solidão feminina” com alguma incompreensão.
Ao ler o que eu escrevo, ela disse, as pessoas podem ter a impressão de que as mulheres sozinhas estão todas desesperadas – e não é assim. Muitas mulheres estão sozinhas e estão bem. Escolhem ficar assim, mesmo tendo alternativas. Saem com um sujeito lá e outro aqui, mas acham que nenhum deles cabe na vida delas. Nessa circunstância, decidem continuar sozinhas.
Minha prima sabe do que está falando. Ela foi casada muito tempo, tem duas filhas adoráveis, ela mesma é uma mulher muito bonita, batalhadora, independente – e mora sozinha.
Ontem, enquanto a gente tomava uma taça de vinho e comia uma tortilha ruim no centro de São Paulo, ela me lembrou de uma coisa importante sobre as mulheres: o prazer que elas têm de estar com elas mesmas.
“Eu gosto de cuidar do cabelo, passar meus cremes, sentar no sofá com a cachorra nos pés e curtir a minha casa”, disse a prima. “Não preciso de mais ninguém para me sentir feliz nessas horas”.
Faz alguns anos, eu estava perdidamente apaixonado por uma moça e, para meu desespero, ela dizia e fazia coisas semelhantes ao que conta a minha prima.
Gostava de deitar na banheira, de acender velas, de ficar ouvindo música ou ler.
Sozinha.
E eu sentia ciúme daquela felicidade sem mim, achava que era um sintoma de falta de amor.
Hoje, olhando para trás, acho que não tinha falta de amor ali.
Eu que era desesperado, inseguro, carente.
Tivesse deixado a mulher em paz, com os silêncios e os sais de banho dela, e talvez tudo tivesse andado melhor do que andou.
Ontem, ao conversar com a minha prima, me voltou muito claro uma percepção que sempre me pareceu assombrosamente evidente:-
a riqueza da vida interior das mulheres comparada à vida interior dos homens, que é muito mais pobre.
A capacidade de estar só e de se distrair consigo mesma revela alguma densidade interior, mostra que as mulheres (mais que os homens) cultivam uma reserva de calma e uma capacidade de diálogo interno que muitos homens simplesmente desconhecem.
A maior parte dos homens parece permanentemente voltada para fora.
Despeja seus conflitos interiores no mundo, alterando o que está em volta.
Transforma o mundo para se distrair por perversidade, para não ter de olhar para dentro, onde dói; necessitam de auto-afirmação e fazem das pessoas suas verdadeiras muletas e não conseguem ter um olhar amplo das diferentes mulheres que o cercam.
Talvez preciso falar em nome de todos os homens, por essa razão a cultura masculina seja gregária, mundana, ruidosa.
Realizadora, também, claro.
Quantas vuvuzelas é preciso soprar para abafar o silêncio interior?
Quantas catedrais para preencher o meu vazio?
Quantas guerras e quantas mortes para saciar o ódio incompreensível que me consome?
A cultura feminina não é assim.
Ou não era, porque o mundo, desse ponto de vista, está se tornando masculinizado.
Todo mundo está fazendo barulho.
Todo mundo está sublimando as dores íntimas em fanfarra externa.
Homens e mulheres estão voltados para fora, tentando fervorosamente praticar a negligência pela vida interior e do próximo – com apoio da publicidade.
Se todo mundo ficar em casa com os seus sentimentos, quem vai comprar todas as bugigangas, as beberagens e os serviços que o pessoal está vendendo por aí, 24 horas por dia, sete dias por semana?
Tem de ser superficial e feliz. Gastando – senão a economia não anda.
Para encerrar, eu não acho que as diferenças entre homens e mulheres sejam inatas.
Nós não nascemos assim.
Não acredito que esteja em nossos genes. Somos ensinados a ser o que somos.
Homens saem para o mundo e o transformam, enquanto as mulheres mastigam seus sentimentos, bons e maus, e os passam adiante, na rotina da casa.
Tem sido assim por gerações e só agora começa a mudar.
O que virá da transformação é difícil dizer.
Mas, enquanto isso não muda, talvez seja importante não subestimar a cultura feminina.
Não imaginar, por exemplo, que atrás de toda solidão há desespero.
Ou que atrás de todo silêncio há tristeza ou melancolia.
Pode haver escolha, tenho certeza!
Como diz a minha prima, ficar em casa sem companhia pode ser um bom programa – desde que as pessoas gostem de si mesmas e sejam capazes de suportar os seus próprios pensamentos.
Nem sempre é fácil."

terça-feira, 13 de julho de 2010

BILHETE NA PORTA DA GELADEIRA

Querido(a),

Vou me ausentar.
Volto na minha primavera!

Beijos,
Suzana

Nota: mesma publicação, na mesma data, em Contos de Lily.


sexta-feira, 9 de julho de 2010

ODEIO FLOR QUE NÃO SE CHEIRA

"Flor perfume leve... tempestade devassa destruição..."
                                (Rafa Feck)


Ao criar o Blog, dois meses atrás, me deparei com o espaço em branco para eu responder "quem sou eu". Nem tentei preenchê-lo, pois sempre penso em tudo diante dessa situação e o tudo não resolve.

Uma malagueta me irritou na terça-feira, logo pela manhã, e hoje, sem que eu ainda me lembrasse dela, retornou. Me irritou novamente.

Lembrei-me então da auto-definição do Rafael Feck e entendi a razão de eu ter lido a frase mil vezes, na época. Eu lia a minha própria definição, mas não sabia. Você com certeza concordará comigo, definir a si mesmo, dizer quem tu és, não é tarefa fácil.

Sim, eu sou flor, perfume leve... sei que é preciso que você, se quiser se aproximar, tenha a árdua tarefa - ou prazerosa, isso fica a critério de cada um - de encontrar o caminho do jardim. Se, se alcançá-lo, tu me sentirás. Mesmo que com pétalas secas ou rígidas ou desfalecidas, mesmo que com pouco cheiro, nunca doce, mas leveza que lhe passa ao respirar, sou flor. Sou flor que você pode cheirar, pois não suporto aquelas flores de plástico ou fedidas, já podres, ou simplesmente miragem floral, que não podem ser cheiradas, porque feito o príncipe que vira sapo, elas viram um vespeiro que você não pode sequer tocar. Se você me encontrar flor, tocará flor, sentirá flor, cheirará flor. Mas,

se você me encontrar vento forte, tempestade, o mundo sacolejando debaixo dos seus pés, não pense em jardins, jardineiros e tratamento do solo, afaste-se, corra se possível, porque, se tu me tocares, com certeza, encontrarás apenas devassa destruição.

Só o tempo, só Deus, só a voz da minha mãe, só os olhos dos meus filhos poderão conter a ira dos ventos. Nem eu mesma poderei. E, na minha devassa destruidora ventania não sei de flores, não sei de aromas. Mas sou o que tu vês, não sou a flor que você não poderia ter cheirado.

                                          por Suzana C. Guimarães

Nota: mesma publicação, na mesma data, em Contos de Lily.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

LILY INVADE

                                                Suzana Guimarães

Lily nasceu na primeira semana de maio de 2010. A gestação durou um mês. O parto, apenas alguns minutos, o tempo que se gasta para escolher um nome. Adotei Lily com amor, como se fosse a minha quinta cria. Eu, Suzana, queria muito contar uma história. Para ser sincera, eu sempre gostei de contar histórias, algo que herdei do meu pai. Foi quando Lily surgiu. A mim caberia a história real, a ela, as outras, fantasiosas. Pensei que Lily iria contar apenas contos, pequenas histórias que ouviu contar e que guardou na memória, mas a menina foi mais longe. No início, estava receiosa, perguntou para mim o que deveria postar em seu caderno virtual e eu lhe respondi: conta aquela história daquela morte, daquele velório que era para ser um e virou dois. Dá-lhe o nome de "O Enterro."

Mas o tempo foi passando e Lily, esperando a mãe, no caso, eu, claro, liberar contos guardados, amarrados debaixo do colchão, decidiu escrever o que bem lhe agradasse. Enquanto escrevia, Lily visitava os vizinhos. Um dia, ela me disse para fazer o mesmo, largar tanta obrigação, tanta lista a cumprir e mudar de direção, ir para lugar nenhum. Ela disse para eu me largar de mim mesma, dar o tempo que nunca mais havia dado, desde que havia deixado de ser menina. Sempre achei a Lily mais razoável, mais equilibrada, mais mansa que eu e decidi, então, acompanhá-la...

Eu mudei, ponto. Não há muito a dizer. Tenho a certeza absoluta e irrefutável de que mudei. Tenho vida suficiente para saber disso. Eu mudei no dia em que primeiro abri a janela da minha casa, delicada casa, no endereço Rua do Blog, número oito. Depois, aos poucos, quase voando, fui abrindo as portas, os basculantes. Larguei o portão da varanda de entrada sem trancas. Arranquei a portinha de madeira pro bicho passar (ela lhe batia às costas). Revirei essa minha casa em sofreguidão, os calçados ficaram onde foram deixados no instante da entrada, ou soltos, sem pares, espalhados por toda a casa. Abri baús, gavetas emperradas, mexi em todos os armários, experimentei todas as bebidas, comi comida crua só pra saber o sabor, aspergi perfumes sem querer me perfumar, apenas pelo prazer de sentir aquele ar sufocante a ponto de engasgar. Eu mudei, tenho certeza! Cada vizinho visitante que espiava pela janela, ou se sentava no sofá, ou abria a geladeira, ou bebia no meu copo para tentar me desvendar, ou simplesmente entrava e saía todos os dias da minha casa delicada casa, silenciosamente, feito gato de tão leve, foi peça fundamental nessa mudança. Os ares passaram pelas frestas, pelos buracos das fechaduras e se instalaram em minha medula óssea, no meu núcleo celular. Eu não sei mais andar, eu flutuo. Eu não sei mais me locomover, eu vou através.

Sim, eu mudei, e foi através, pois quando ao abrir a minha casa, invadi outras. Não, invadir é muito. A minha mãe me educou e disse que gentilezas e bons modos não ocupam lugar - quase num mesmo tempo em que o meu pai dizia que o saber, o conhecer não ocupa espaço. Através da minha então educada visita às outras casas, especialmente àquelas de cor semelhante à minha, eu deixei para trás vestes velhas puídas pestes. Entrei em casas inesquecíveis feito poema inesquecível, livro eterno, cartas seladas ou não, empilhadas em mesinhas, por sobre louça branca, para eu poder saborear. Casas singelas, amáveis, tão doces, feito aquela de guloseimas, mas também feita de morangos, suculentos morangos. Vi decoração nova, vi discos nas prateleiras, vi despedidas de amor voando aos céus. Vi jarros de suco de maracujá, vi o dono bebendo a música de uma cantora enquanto ele fitava o mar. Vi casas de sedas cheirando a perfumes não muito caros. Vi tanta chuva que escorria que parecia inundação de um amor perdido tentando se agarrar. Vi casas com sorridentes cachorrinhos nas portas, vi outras que se abriam apenas à noite. E o dono de uma delas, apaixonado, esculpindo letras para formar palavras para um amor sonhado, embalado. Vi casas de sorrisos fáceis, palavras fáceis, vi também alguma doença lá instalada, mas deitada ao lado da tia valentia. Entrei em muitas delas, em outras, parei na porta, só espiei. Numa casa, me mandaram abrir gavetas, portas, janelas, e me convidaram a deitar no sofá, pôr os pés sobre a mesinha de centro. Perguntaram-me se eu queria beber alguma coisa e acabei por me embriagar. Vi casa ausente sem aviso de volto já, mas com porta entreaberta. Numa ou noutra, cheguei a cochilar, não de tédio, mas de prazer de ver minha alma se esticar. Entrei em algumas casas para ler bilhetes escritos nas paredes, mas também para me deliciar com música tocada feito pano de fundo. Fui tão longe... ouvi falar de respirar, o dono mandava respirá-lo e eu bem que tentei, treinei bastante e saí de lá respirando, respirando-o. Numa das primeiras casas que visitei, a dona tinha nome tão singelo e foto de moça de um filme apaixonante. Numa casa voltei ao passado, cheguei em terras nascidas, antigas. Senti saudade do cheiro de toda a minha existência. Às vezes, vou lá, só para respirar a minha própria história, sentada num quarto sépia. E paro os olhos na maquininha de escrever, igualzinha àquela que meu pai me ofertou do seu tempo de trabalho, de um passado brilhante. E alguma coisa, que eu não sei bem o que é, lembra a minha mãe. Em muitas casas, às vezes choro, às vezes rio, às vezes choro e rio e até sinto comichão. Em todas, eu penso em Deus.

Eu mudei e ponto. Renasci. Sou Lily.


Nota: mesma publicação, na mesma data, em Contos de Lily.

sábado, 3 de julho de 2010

TEUS OLHOS

(SCG - arquivo pessoal)

"O que tu viste amargo,
Doloroso,
Difícil,
O que tu viste inútil
Foi o que viram os teus olhos
Humanos,
Esquecidos...
Enganados...
No momento da tua renúncia
Estende sobre a vida
Os teus olhos
E tu verás o que vias:
Mas tu verás melhor..." Cecília Meireles

sexta-feira, 2 de julho de 2010

DEIXA PRA LÁ!

                              Suzana C. Guimarães

Lá, passei por tantas pingelas,
Estive tão só,
Engoli tantas mazelas.
Senti da terra, o pó
bem próximo ao nariz
E me vi com dó.


Lá, cresci minha barriga quatro vezes,
perdi com poucos meses...
Ganhei bebês
que tentei tantas vezes.


Lá, trabalhei
Abandonei
Morri de arrepender.
Me deixei prender
e já quis ficar mais de uma vez
igual à única vez.


Lá, deitei no chão para ler poemas de amor
E deitei no mesmo chão para ser o amor de um poema
Lá, gritei no lugar errado,
e falei baixo quando não era adequado,
me senti uma ema.


Lá, chorava por nada
pensando no mar.
Lá, já ri de velório
E vi o relógio
parado na visão
do sonho da fada.


Lá, caí no chão
só para sentir felicidade
contra uma faixa preta no roupão
vi tanta facilidade...
Vivi de roldão,
pois que então.


Lá, me curei de doenças.
Por pouco perdi minhas crenças...
Aprendi a curvar
Aprendi a amar
Aprendi a triste arte de desamar.


Lá, carreguei a veste negra
bordada de meninas.
E, com ela,
amei, chorei, me cortei.
Não pensei quando pensar parecia ser demasia,
não respirei;
muito era o mundo que eu via...
sequer rezei,
Enquanto todo o tudo,
eu perdia,
se esvaía...


Lá, briguei,
xinguei.
Forcei a barra
e peguei você na marra
depois fiquei tão brava...


Lá, deixei meus pais
Larguei meu país,
meu berço lindo,
Tão belo quanto Paris
Mas que me deixou só, assitindo...
feito nos velórios em que fiquei rindo.


Vivi a limpar gavetas,
mil vezes.
Afoguei você,
Quantas vezes?


Lá, me molhei de prazer.
Me sequei toda ao desfazer
nós que custei a fazer
carinhos que custei a ter
orgasmos que eu não quis ter.


Lá, fui obrigada a aprender medicina,
Vi tanta gente permissiva...
Lá, fui empurrada para as quinas
e pensei ver gato preto em toda esquina.


Lá, eu era menina
e não era minha...
Vivia triste sina
pra alcançar a colina.


Lá, aprendi a falar entrelinhas,
tentei escrever em rimas...
Aprendi a não ficar tão em cima
e quase caí de cima
de um cavalo que era uma cisma.


Lá, eu subia em mangueira, goiabeira, jabuticabeira
em toda a redondeza,
Hoje, sou estrangeira
E sei quase tudo de estranheza,
mas saí da beira.


Lá, já paguei língua.
Já morri à míngua,
delirando com sua língua
e pude ver que toda lua míngua
ou finda...


Lá, da vida fui faca para amolar
Lama para Deus moldar
Mas para lá,
não pretendo voltar.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

TEU RETRATO E EU

                                          Suzana C. Guimarães

Teu retrato,
Em dois dias,
Se dissolve.
Se, de saudades minhas
Se, de morte tua.


Se tu ousasses,
Teu retrato petrificaria,
Eterno
Indecifrável
Enigma.

Porém, tu não ousas
E eu vou a cada dia
Clarificando-me.
Não sou retrato,
Sou presença.
Nasço na praia
E por tão clara,
Ofusco-te!


Não! Não desejo ofuscar-te!
Desejo contemplar-te
E, em enleio, vigiar teus passos
Se caminhas em praias claras
Haverás de me achar


Dispensa tu,
Tuas lentes verdes,
Desfaça tu o vezo das vestes.
Procuras ver mais para dentro,
Menos para fora, onde estou
Resgatas a ti mesmo
E tu poderás em mim fixar


E teu retrato em mim não desmancharia,
E eu jamais te ofuscaria
Permaneceríamos...
Bem acima do enigma.